Claridade

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Mariangel Lancaster
Hotel Hichello | Monte-Carlo, Mônaco
2 de setembro de 1991 | 01:13

 Uma vez a minha mãe me disse que eu devia me entregar para o homem que pudesse me dar o mundo. Claro que ela estava dizendo no modo material. Eu discordei. Ainda discordo. Tenho que me entregar para quem amo. Sempre repeti isso a mim mesma. Nunca mudei meus ideais e pouco menos tentei me distanciar do que realmente acredito

 Mesmo depois de tanta dor e sofrimento, ainda acredito no amor. No amor puro de um homem gentil. No felizes para sempre. No romantismo e felicidade. É tão difícil aceitar que tudo isso me aconteceu comigo porque eu acabei dando uma chance para alguém

 Minha mãe me falava tão bem dele. Como uma pessoa que dá ouvidos aos mais velhos, me permiti. Em menos de três meses eu já estava completamente encantada por Miguel, mas, não era amor

 Hoje sei que não era amor porque agora sim, eu sei o que é amor de verdade. Acabei me encantando pelo Miguel que nunca existiu. Miguel criou esse personagem para a mídia e para pessoas fora do seu convívio. Para as pessoas de fora, ele é o homem doce que faz qualquer coisa pela esposa

 O homem impecável que nunca erra. Que é caridoso e divide seus milhões com a caridade! Miguel viu na caridade uma forma de se promover. Ele não doa dinheiro por bondade. Ele dá dinheiro porque isso chama a atenção de todos para ele e essa atenção alimenta seu ego

 Como ele é mesquinho. Deus. Como me arrependo do dia que aceitei me casar com ele. Durante todo o planejamento do casamento ele foi tão doce. Ele parecia estar realmente apaixonado por mim. Miguel parecia estar nas nuvens

 Bem, ele devia estar feliz que o peixe havia finalmente caído na rede. Não posso nem acreditar no quão boba eu fui. Eu pensei que aquele homem alto, moreno de olhos claros me amava loucamente

 Eu nunca havia sentido um olhar daquele em mim. Eu me sentia desejada! Me sentia amada de uma forma estranha. Agora eu sei que não era amor. Era apenas obsessão. Uma horrível obsessão

 Algo que antes eu sentia orgulho por um homem sentir isso por mim, mas hoje, sinto medo, muito medo. Maldito seja o dia que o deixei entrar na minha vida. O dia que eu disse sim para ele. A culpa foi toda minha. Só minha

– Dona Mariangel, você pode respirar fundo? – o médico que está sentado ao meu lado da cama pergunta enquanto posiciona o estetoscópio em minhas costas. Respiro fundo – Ótimo! – diz calmamente – Pode fazer de novo? – murmura. Respiro profundamente – Isso! Obrigado! – ele distancia o estetoscópio de mim – Isso era tudo o que faltava saber – sussurra enquanto tira o estetoscópio que estava em volta do seu pescoço e o leva até sua maleta que está na cadeira ao lado da porta

 Eu estou em um quarto luxuoso de um hotel em Mônaco. Ainda não vi Michael. Na verdade, não vejo Michael há horas. O médico já estava aqui quando cheguei. Deve ter umas 2 horas que cheguei e desde então ele está me examinando e fazendo várias anotações em sua prancheta

 Ele é um senhor. Deve ter uns 70 anos ou mais. Seus cabelos são brancos. Ele é daquele tipo de velhinho que usa boina no final de semana, se senta no parque e joga pão aos pássaros enquanto assovia uma das músicas dos Beatles

– Dói quando você respira? – pergunta enquanto desce um pouco seus óculos de grau até seu nariz e encara sua prancheta – Sente alguma dor? Se sentir, me descreva! – diz bem devagar

– Sinto dor quando eu respiro. Dói quando pisco e dói muito quando eu... falo! – ele olha diretamente para mim e aperta os lábios com força

– Me desculpe por te encher de perguntas, menina! – ele diz baixinho e volta sua atenção para suas anotações – Você toma algum tipo de medicamento? Anticoncepcional, por exemplo? Tem alguma doença crônica? – murmura

– Sou cardíaca! É algo que eu e minhas irmãs temos. Sou a mais velha de trigêmeas. Meu pai é cardíaco, minhas irmãs filhas do meu pai de outro casamento também são. Menos a mais velha! – ele acena positivamente

– Bom, já terminamos por aqui. Vou te receitar algumas coisas para dor. Nada de mais. Apenas para uma semana! – ele destaca uma folha e coloca sobre a cama – Agora vou indo. Espero que fique bem menina, tem sorte de ele ter te encontrado. Se o cara tivesse batido mais em você, teria te matado! Estou muito surpreso de você estar viva e ainda conseguir falar! É uma mulher forte! Uma guerreira! – ele me estende a mão direita – Como as mulheres da nossa família são! – ele abre um sorriso – Me chamo Edgar Cooper! Sou irmão mais velho do seu pai o Sylvester! – aperto sua mão e um sorriso enorme surge em meu rosto – Sylvester gostaria de a ter mais vezes para as reuniões em família. As meninas também reclamam sobre sentir sua falta. A Patrice é a que mais reclama – ele ri

– Ela é tão doce, a amo tanto! – sinto tanto a falta dela, sinto falta de todas as minhas irmãs. Depois que me casei, Miguel me obrigou a ficar trancafiada em casa. Eu não podia receber ninguém. Não podia usar o telefone e nem escrever nenhuma carta

 Miguel me afastou completamente da minha família. Só me deixava ter contato com a minha mãe e Robert, meu padrasto. Eu fui criada cercada de carinho. Sylvester tem outra família com uma mulher doce e muito bondosa. O nome dela é Ellie. Ela é o amor encarnado

 Ellie aceitou a mim e as minhas irmãs como se fossem realmente filhas dela. Eu fui fruto de uma traição de Sylvester. Minha mãe e ele tiveram um caso. Marien não podia ter filhos então, Sylvester foi atrás de Sharon Twain, uma mulher pobre com muitos filhos que não conseguia alimentar, ele a inseminou e depois de nove meses ela deu à luz a mim e as minhas irmãs Paola e Pilar

 Às duas foram criadas com Sylvester e Ellie, mas, eu fui criada com Marien. Talvez tenha sido a pior coisa que poderia ter me acontecido. Na frente do meu pai, Marien era uma doce mulher. Se ela me batia, fazia isso semanas antes de ele aparecer com Ellie para me buscar

 Minha mãe é uma das pessoas mais desprezíveis do mundo. Quando criança ela me trancava no porão e me deixava sem comer por três ou quatro dias. Graças a esse momento tão ruim com Miguel. Esse momento de quase morte. Eu estou sentindo tudo com muito mais intensidade. Consigo enxergar o que eu me recusava a ver... a maldade humana.

Latente | Michael JacksonWhere stories live. Discover now