Capítulo 3

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TRÊS


TENÓRIO ESTAVA MUITO CONFUSO, e eu sabia bem disso. Eu deveria explicar para aquele pobre homem o motivo de tanta hospitalidade e interesse em trazê-los até minha casa. Nos tempos modernos isso era coisa quase que impossível. As pessoas andavam muito desconfiadas e isso se dava por conta da enorme onda de violência pela qual o mundo vinha passando.

Mesmo sabendo que não fazia muito sentido eu não poderia permanecer inerte frente àquela situação tão injusta que eu presenciei no centro da cidade.

- Tenório, meu caro, em sua cabeça devem estar se passando muitas perguntas sem respostas concretas neste exato momento. Eu sei que sim. Não sei ao certo quantas e quais a ordem delas, mas, sei que existem e estão claras em seu olhar. – disse enquanto acendia mais um cigarro. – Quero muito ser honesto com você e preciso que confie em mim para que eu possa te ajudar e ajudar o seu filho. Eu também sou pai, ou melhor, já fui pai um dia Tenório. – levantei e me servi de uma dose de uísque sem gelo e, me espantei com a recusa de Tenório ao oferecer-lhe uma dose.

- Eu não bebo Fernando e, pelo que me lembro de ter dito, você também não bebe mais, não é? – indagou Tenório. – Sim eu não bebo. Não bebo nada que contenha álcool. Esse uísque é uma novidade no Brasil, na verdade, nem chegou aqui ainda para comercialização. Eu comprei numa viagem que fiz aos Estados Unidos no ano passado. Ele não contém nenhuma quantidade de álcool. Quer experimentar? – Não, obrigado. – respondeu.

Dei alguns passos em meu escritório. Passos curtos e sem pressa sobre o tapete marroquino com detalhes coloridos e com o copo de uísque em uma das mãos e o cigarro noutra. Fiquei olhando para o meu pequeno acervo de livros, onde deveriam estar uns 340 exemplares de diversos autores e títulos, principalmente os de romance, os quais eu mais gostava de ler. Pude entrar em algumas histórias só de olhar para as suas capas e sentir a emoção de cada personagem em determinado momento. Aproveitei o tempo e a viagem feita pelo meu subconsciente para pensar sobre como e o quê falar para Tenório já que eu precisava dar um Norte para nossa relação.

- Tenório, você vê todos esses livros? – indaguei.

- Sim Fernando. Mas é claro que vejo oras. Eu não sou cego. – retrucou ironizando.

- Esses livros eles representam muita coisa para mim, sabia?

- Imagino que sim. Leitores geralmente apreciam e valorizam muito seus livros. – disse Tenório.

- Tenório, eu percebo que você é um homem que fala bem, mesmo se encontrando em tal situação, você possui uma fala bastante correta e adequada para um morador de rua. Por que não começamos com você me explicando como foi parar ali? – perguntei me referindo ao chão do centro da cidade.

- É uma longa estória e não gosto muito de falar nisso Fernando, se é que me entende... – respondeu se levantando da cadeira e indo em direção à janela que dava para o jardim da residência.

- Sim, te entendo. Assim como você, eu também tenho os meus desprazeres e desconfortos. Não gosto de falar sobre muitas coisas que já se passaram em minha vida, mas, hoje, percebo que vou ter de abrir mão dessas vaidades e esclarecer todas elas com você. – prossegui. – E, ademais, não vejo problemas maiores do que os próprios problemas Tenório. Eles já se passaram, ou, se ainda permanecem, temos de encará-los como homens, independente das dificuldades que ele nos impõe.

- Para você talvez seja fácil Fernando. Você leva uma vida boa, com suas certezas e com uma casa, talvez até mais de uma não sei ao certo. Você tem carros e empregados. Pelo que posso perceber é um homem bem-sucedido que nada deve ter do que reclamar. Seus armários estão cheios de comida e sua geladeira, assim como seu freezer, também. Olhe para todos esses quadros e essas esculturas por toda a casa, devem valer muito dinheiro. Eu, Fernando, não tenho sequer um teto para dormir e isso não é satisfatório falar, pelo contrário, é muito doloroso. É doloroso saber que amanhã, quando eu acordar novamente, vou continuar morando numa esquina, ou debaixo de uma marquise, ao relento e com o Felipe. Meu filho, Fernando, está fadado a seguir uma vida horrível, sem qualidade e sem nenhuma perspectiva. Ele mal se alimenta como deveria. – disse Tenório olhando atentamente para a vegetação de gérberas, palmeiras e algumas violetas que estavam dispostas ao jardim.

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⏰ Last updated: Mar 06, 2015 ⏰

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