III. Biblioteca de Almas.

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Ouviu isso?

É o tilintar dos sinos da igreja.

As nuvens esconderam a lua, a fraca luz dos postes refletem nas pequenas poças d'agua acumuladas no asfalto úmido depois de uma tarde de chuva.

É escuro.

Os ventos uivam solenemente, a luz apagada esconde as trevas numa escuridão sombria, um calafrio percorre seu corpo lentamente como se a ponta de um dedo gelado deslizasse por sua pele, um dedo que você não consegue enxergar, um dedo que se aproxima dos seus pés para lhe puxar, quem sabe de seu pescoço para lhe sufocar, enquanto você está aí, deitada em sua cama, acordada em meio a madrugada jurando estar sozinha.

Um ruído no telhado, passos pela cozinha. Cubra-se com o cobertor, concentre-se em sua respiração, cada segundo, cada minuto; sente-se segura?

Então nunca deixe uma brecha, eles não costumam se aproximar apenas quando são chamados.

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Toquei minhas bochechas com as mãos, apoiando o queixo nas mesmas e deixando o cotovelo pressionar o colchão. Contrai os lábios e fitei atenta as palavras emolduradas em narrativas misteriosas sobre o papel já envelhecido.

Não tardei a deixar um sorriso escapar quando meus olhos percorreram o último parágrafo,  abeirando ao fim e me despedindo de mais um livro.

— Nan Hee, você não viu minha presilha vermelha? — Kimi se ajoelhou perto de sua cama e levantou a barra do lençol que a cobria, pondo a cabeça ali debaixo e apalpando o assoalho de madeira.

— Não. — ditei sorridente, apreciando os últimos versos daquela estória fantasiosa.
Se eu pudesse, faria questão de contornar os oceanos até o outro lado do mundo apenas para agradecer àqueles escritores pelas extraordinárias estórias que eles me proporcionaram para ler - e fugir por um tempo desse estúpido mundo real.

— Tem certeza, Hee-ah? — ela levantou a cabeça com um bico nos lábios e as sobrancelhas caídas em um semblante de tristeza, vasculhando todo o quarto com os olhos.

— Você deve ter deixado cair por aí... — balbuciei tediosa, ainda entretida com o grosso livro em minhas mãos, o fechando delicadamente e suspirando com um ar de dever cumprido.

— Porcaria, deve ter sido aquele pivete de novo! Deixa só eu ver aquela almôndega insuportável! — Kimi se pôs de pé enchendo as bochechas gordinhas de ar e cerrando os punhos.

— Não acho que tenha sido Sandeul, ele anda afastado dos nossos quartos com medo de pegar piolho. Típico de um garoto de 13 anos. — murmurei, me arrastando pelo colchão e tocando com os pés no chão frio.

Abracei o livro contra meu peito, o segurando em minhas duas mãos e esticando um de meus pés ao máximo, tentando tocá-lo sobre as pantufas e finalmente conseguindo deslizá-las pelo chão de madeira e as pondo em meus pés.

— Vocês ouviram um barulho estranho ontem à noite? — do outro lado do vasto quarto, por entre as camas dispostas em fileiras de quatro, Hyelin, com seus cabelos pretos e a franjinha mal cortada, franziu a testa, enquanto dobrava sua coberta. — Pareciam murmúrios... Sei lá, uns gemidos talvez.

— Os ventos do começo de inverno fazem isso vez ou outra. — mordi meu lábio inferior, tossindo fraco e desviando do assunto, vendo a menor encolher os ombros. — Vocês querem alguma coisa da biblioteca?

— Já terminou de ler o livro? Mas você pegou ele faz dois dias só. — Kimi voltou a revirar as pequenas gavetas das cômodas, inclinada sobre o colchão de um jeito acrobático, se equilibrando astutamente.

ÀS 03:00Where stories live. Discover now