V. Letras de Sangue.

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Uma melodia sombria. O sonoro soprar dos lábios de trevas. Aquela canção proibida na qual se alastra medo, imersa numa escuridão total, em um timbre lúgubre como um sussurro. Afinal, de quem foi a maldita ideia de cantá-la antes de dormir?

Dizem que a noite carrega consigo uma maldição. Existem coisas que nunca sequer tiveram uma explicação, coisas que, cobertas por um mistério infundado e ocultas em segredos obscuros, não conseguem ser desvendadas por mais que se fosse tentado.

Mas, e quem tentaria? Quem teria a ousadia de brincar com o mal?

O sobrenatural é vasto, interpretado de diversas maneiras, julgado por duvidosas fontes. Espíritos que vagam, demônios em busca da perdição, o terror que habita por cada canto escuro ou aí mesmo, ao seu lado; você não está segura. Nunca está. Pecado após pecado, seu corpo é consumido. Medo após medo, a alma, irrecuperável.

Não que isso seja algo para você se preocupar a toa, afinal, estou apenas narrando uma estória.

Mas... não se deixe levar. A realidade pode ser mais obscura que um conto de ficção.

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Um sussurro, outro cochicho. Minha respiração abafada e zunida, o ar lento que saia trêmulo de minha boca e soprava contra o colchão, tudo num harmonioso tom; ríspido e pesado. Podia sentir a ponta de meu nariz congelar, assim como os dedos mínimos do pé que obstinadamente tentavam se manter aquecidos no tecido quente que os cobria. 

Shhh. — com o dedo indicador pressionado aos lábios e as bochechas gordinhas em tom de rosa, Kimi encolheu o corpo ao meu lado uma outra vez, contraindo o pequeno sorrisinho ansioso. Me encolhi junto.

A escuridão abafada por debaixo daquele lençol fazia com que a minha impaciência e inquietação ultrapassassem os limites do suportável. Minha curiosidade mal se suportava ali dentro ao ver os flashes de luz que se distendiam ao lado de fora vez ou outra, até que, finalmente, se apagaram por completo. Queria espiar. Meus dedos já coçavam por procurar uma oportunidade de se livrarem daquela coberta que ia da cabeça até os pés. 

Apenas precisávamos de um sinal. Sinal esse que nos foi dado alguns segundos depois, em um timbre alheio quase inaudível. A cama rangeu. Um fungando baixinho soou isolado e meu corpo se encolheu ao ter a brisa gelada mais uma vez tocando em minha pele. Deixei que o cobertor descobrisse somente minha cabeça, assim como Kimi, que mais parecia ter apenas a ponta vermelhinha do nariz para fora. 

Na cama à nossa frente, a cabeça de Hyelin surgiu por entre os lençóis. Com uma lanterna fraca na mão, a mesma franzia o nariz enquanto se aconchegava melhor na cama, pondo os cabelos negros atrás da orelha e ajeitando a franjinha mal cortada sobre a testa. O quarto permanecia em silêncio. Todas as fileiras de camas se encontravam no mais absoluto repouso, nem mesmo um chiado sequer. Naquele cômodo, apenas a cortina que balançava suave acompanhando o movimento do vento e os nossos cochichos irrelevantes tomavam o silêncio do lugar. 

— Vamos continuar agora? — Hyelin pigarreou fraco, ajeitando melhor a postura sobre o colchão e folheando o grande livro que tirara de baixo da coberta. A capa negra não tinha sequer uma letra, um título ou um desenho qualquer que fosse, era apenas ela e seu pequeno tracejado dourado nas pontas. 

— E se a sra. Lee voltar? É melhor a gente dormir. — divaguei, recebendo um olhar repreensivo de Hyelin. 

— Eu me sinto uma fugitiva da lei. — Kimi sussurrou empolgada, sacudindo o corpo de um lado para o outro animada. — Isso é o máximo! 

ÀS 03:00Where stories live. Discover now