TRECE

931 153 117
                                    

Eu grito do lado de dentro, onde
ninguém pode me ouvir.

Sina Deinert

— Sabia que eu fui chamado na escola hoje?

Tio Marco comenta no meio do caminho até o vinhedo, o que é surpreendente. Achei que seria a primeira coisa que ele ia dizer, acho que é porque estou curiosa para saber se o garotinho se deu mal.

— Jurava que ia encontrar você e Noah na sala do diretor, mas fiquei surpreso quando vi que só meu filho estava lá.

— Está vendo? Você já me julga! Isso é muito errado, senhor- nós rimos.

— Mas você não pode me culpar. Toda vez que somos chamados na escola é porque vocês dois brigaram- ele está certo— Queria agradecer você por ter contado que ele te defendeu, a propósito. Foi só por isso que Noah não foi expulso do time da escola e nem levou uma suspensão.

— O senhor falou para ele?- pergunto, alarmada. O garotinho vai me infernizar se descobrir que eu falei que ele tinha brigado só para me defender— Não fale, tio Marco. Ele vai pegar no meu pé pra sempre se souber o que eu fiz.

— Eu não falei nada, querida, fique tranquila.

Suspiro, aliviada.

— Mas seria bom se ele soubesse, ainda mais agora. Você não acha?- ele me encara.

Fico em silêncio, porque preciso me preparar para o que vai acontecer. Nem meus pais nem os pais do garotinho tentam parar com nossas brigas, eles já sabem que isso não é culpa nossa, é algo natural. Depois que minha mãe ficou doente ela pediu para que as intrigas acabassem entre nós dois, então nós paramos de brigar na frente dela. Foi o máximo que nós conseguimos, ok?! A única vez que Marco me disse que brigar com seu filho não era bom foi quando me contou que mamãe ia parar com a quimioterapia. E agora. Então sei o que vai acontecer, já estive aqui antes.

— Você pode pegar aquela cesta?- ele pergunta quando já estamos no galpão da vinícola. Vou até a mesa e pego uma cesta de palha— Você ainda sabe fazer isso, não é?

— Lembra que sua esposa me colocou de castigo recentemente? A memória está fresca na minha cabeça‐ ele ri e me abraça de novo, e nós vamos assim até as videiras.

— Gosto disso.

— Oh, eu também. É incrível poder dizer que produzo meu próprio vinho.

Tio Marco está relaxado, percebo que está tentando me manter calma para jogar uma bomba na minha cabeça. Deixo tudo quieto, pois sei que ele está pensando em um jeito de ser gentil comigo. Quero que ele seja gentil comigo, sei exatamente que o que ele vai dizer não é nada gentil. Eu vejo tudo. A tosse, as doses dos remédios que estão mais altas, o jeito que minha mãe mal toca em sua comida e o banheiro que quase sempre está sujo de sangue. Eles acham que eu não vejo só porque não falo, mas eu sei de tudo.

— Você sabe que é como uma filha para mim, não sabe?- afirmo, mas estou confusa. Não é assim que ele costuma começar— Por isso, eu vou te dar um conselho que acho que vai fazer você sofrer menos. Quer ouvir?

Afirmo de novo, e então ele pega a cesta da minha mão e me leva de volta ao galpão. O homem me ajuda a sentar em um balde fechado e fica na minha frente, ainda segurando minhas duas mãos.

— Se desligue da floricultura por um tempo, Sina. Aproveite o tempo livre para ficar com a sua mãe, com sua família.

Wendy e eu estamos planejando passeios que não sejam cansativos para Alex, então venha conosco. Aproveite, Sina. Aproveite cada respirada que Alex ainda tem. E pare de sair à noite, ao menos por enquanto. Sua mãe não dorme quando você está fora.
Merda. Mesmo sendo maior de idade, fico envergonhada ao saber que Marco e Wendy sabem o que eu faço de noite. Minha cabeça fica cheia de repente. O tempo da minha mãe está acabando, minha segunda família sabe que eu não sou tão recatada assim, vou ter que passar mais tempo com o meu pai e, por algum motivo que eu ainda não entendi, impedi o garotinho de levar uma suspensão. O mundo está estranho, ou eu estou estranha.

Until the last danceDonde viven las historias. Descúbrelo ahora