VEINTE

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6 de outubro, domingo.

As long as I'm here,
no one can hurt you.

Sina Deinert

Ainda estamos na caminhonete, não sei que horas são mas imagino que está tarde. Não faz diferença, não quero que o tempo passe agora. Quando nos cansamos de dançar, sentamos um na frente do outro. Ficamos sem trocar uma palavra na maior parte do tempo, às vezes ele sorri enquanto olha para mim, mas ainda sim eu não sinto vontade de falar. Sorrio também, não como eu costumava fazer, mas é um bom começo. Mamãe adoraria ver isso. Eu e o garotinho sem brigar... Imagino seu sorriso.

Tenho vontade de chorar de novo.

— O quê?- pergunto depois que o garotinho diz algo que eu não prestei atenção, estava viajando pensando na minha mãe— Desculpa.

— Tudo bem. Eu perguntei se você acha que sua mãe é uma estrela no céu.

— Você tá falando sério?

— Claro- ele joga os ombros— É uma coisa para acreditar, aliviar a dor. Sei que algumas pessoas usam isso para mentir para crianças e coisas assim, não gosto disso. Mas gosto da fantasia de imaginar que quem a gente ama está no céu, brilhando todas as noites.

Pra mim essa teoria sempre foi uma mentira contada por pessoas covardes, nunca passou de nada além disso. Agora eu não sei, fico pensando nessa outra perspectiva mas... Não dá certo, minha mãe não é uma estrela. Quer dizer, ela era a melhor e mais inteligente pessoa do mundo, era uma estrela. Mas não consigo pensar que agora ela é uma bola de luz no espaço, cheia de poeira estelar e presa em um grande e infinito nada. Minha fé está fraca, ainda acho que minha mãe está enterrada onde a colocaram. Não é justo, mas no momento eu não consigo ser otimista.

— Você acredita que ela é uma estrela?

Pergunto ao garotinho, que afirma balançando a cabeça e sorrindo fraco.

— Qual?- ele aponta para trás de mim, então eu viro a cabeça para olhar. É a estrela mais brilhante do céu.

Na verdade, ela não é a estrela mais brilhante, está bem longe de ser a mais brilhante. Essa é a estrela Deneb, faz parte da constelação do Cisne. A estrela realmente mais brilhante do céu deve estar no outro lado, onde não podemos ver. Deneb é a nossa estrela mais brilhante hoje, não digo o contrário ao garotinho.

— O nome dela quer dizer, literalmente, "cauda de galinha"- o garotinho gargalha, o que me faz rir também— É árabe, e não faz sentido nenhum.

— Você tá falando sério?- afirmo— Ai, meu Deus. Isso é hilário!

Conto outros nomes ridículos de estrelas, que só são ridículos porque eu provavelmente sou fria demais para encontrar beleza neles. Ou talvez eles sejam realmente ridículos, pois também fazem o garotinho rir. Nós nunca rimos juntos, não sozinhos. O som é estranho e faz meu estômago tremer, não sei o que isso significa. Eu tinha borboletas no meu estômago, mas depois da primeira vez que eu fui ferida por uma pessoa que dizia me amar, elas morreram.

Foi meu pai. Ele era meu herói. Eu amava ver como ele cuidava da minha mãe, e sempre que ele dizia que me amava eu acreditava, nunca duvidei de suas palavras. Até que eu cresci o bastante para perceber que era tudo mentira, que ele só me suportava porque amava muito minha mãe. Ninguém nunca me disse nada a respeito, mas eu tenho certeza que ele nunca quis ter filhos. Ele e mamãe, quando se conheceram, já não eram tão jovens assim. Acho que ele queria aproveitar a vida com a mulher que amava, nada de filhos.

Até que eu nasci e atrapalhei tudo.

Eu sempre soube, mas nunca deixei isso atrapalhar minha vida. Minha mãe me amava, e sempre dizia que eu era importante, que seu som favorito era ouvir meu coração batendo. Ela me dava mais que palavras, ela me mostrava seu amor todos os dias. Quando a químio era cruel demais, ela pedia para que eu fosse junto. Dizia que precisava ficar cara a cara com a razão pela qual ela estava lutando para ficar viva. Ela gostava mais da minha vida do que eu.

Until the last danceOnde histórias criam vida. Descubra agora