Capitulo 1

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Vicent, verão de 1901.

Any tinha apenas treze anos. Era a filha mais nova de Silvio e Priscila Soares. O pai, dono da única mercearia da pequena cidade de Vincent, vivia tentando impedir que ela o ajudasse quando saía da escola, mas a menina gostava de ficar ali. Fora lá, que há mais ou menos seis anos, conheceu o filho mais velho de Marcus e Wendy Urrea, Noah. Os três anos a mais do rapaz não impediram que eles se tornassem melhores amigos. Any e Noah passavam bastante tempo juntos e dividiam seus segredos e sonhos. Apenas ela sabia do sonho que o garoto nutria em ser veterinário; Apenas ele sabia que a menina escrevia os mais lindos poemas e escondia todos debaixo do travesseiro, por pura vergonha de mostrá-los a alguém - lógico, ele era uma exceção. A proximidade dos dois era tanta, que se permitiam tomar banho de cachoeira juntos, sem maldade alguma. Mas, obviamente, seus pais não sabiam. Os dois tinham um lugar secreto que não era tão secreto assim. O grande salgueiro, que ficava dentro da propriedade dos Urrea, um pouco afastado da casa principal. Nas últimas semanas, Noah andava meio distante, muitas vezes irritadiço. Mas nunca com ela. Jamais com ela. Naquele dia, especificamente, Noah disse que não podiam se ver, pois seu pai havia pedido que lhe ajudasse com alguns serviços da fazenda. Sendo assim, quando chegou da escola, Any aproveitou para ajudar seu pai na mercearia. Nour, a sua irmã mais velha, sempre ficava em casa, ajudando a mãe nos afazeres domésticos - coisa que Any não dominava muito bem.

A garota estava no balcão, quando duas mulheres se aproximaram da porta do estabelecimento conversando entre si. Nunca fora de escutar conversa alheia, mas não pôde deixar de aguçar os ouvidos quando as ouviu falar sobre o "filho do senhor Urrea". Abigail correu e pegou a vassoura, para fingir que varria a frente do lugar. Pôde reconhecer as senhoras Collins e Murphy.

- Acabei de saber, Úrsula. - a senhora Deinert falou. - Sina me contou.
- Wendy que tem sorte. - comentou a senhora Beauchamp. - Quem dera Ron fosse tão bom pai a ponto de pagar uma Universidade para Joshua em Londres.

Nesse exato momento, Any sentiu uma fisgada no estomago. Elas não podiam estar falando sobre ele. Podiam?

- Sina disse que Noah não quer ir. Está indo praticamente obrigado.
- Como sua filha sabe disso, Alex?
- Ah, você sabe... - a mulher lançou um sorriso estranho, que Any não conseguiu identificar. - Noah e Sina estudam juntos, na mesma sala... Tornaram-se amigos.

Mentira!, Any pensou. Noah sempre lhe dizia o quanto Sina era atirada e o quanto ele não gostava disso. A garota continuou fingindo que varria a calçada para seguir ouvindo o que as duas mulheres falavam. Any pôde entender que Don Marcus - como ela o chamava - estava querendo obrigar Noah a ir estudar na Europa, isso explicava o mau humor dele. Mas o golpe mais doloroso que ela podia levar veio com a resposta da senhora Deinert a uma pergunta da senhora Beauchamp:

- Sina disse que hoje à noite ele parte.

"Hoje à noite ele parte."

Era o que martelava na cabeça de Any enquanto ela corria em direção à fazenda dos Urrea.

Quando ela ouviu Alex Deinert falar isso, largou a vassoura com desespero e correu, ouvindo os gritos de seu pai, que perguntava o que estava acontecendo. Embora ela ainda não acreditasse, algo lhe gritava para correr. Noah seria capaz de ir embora sem despedir-se dela? Sem avisá-la? Any mirou o céu e se deu conta de que estava entardecendo; correu mais rápido. De repente, à distância até a fazenda parecia longa demais. Sem se dar conta, as lágrimas saltavam-lhe dos olhos, embaçando um pouco sua visão. Alguns minutos mais tarde, Any pôde visualizar a grande casa, poucos metros à sua frente. Quando olhou para o topo da grande escadaria, viu Noah e Don Marcus, viu as malas e, então, parou. Parou porque sentiu as pernas falharem. Parou porque sentiu que não tinha mais qualquer oxigênio em seus pulmões. Parou porque era verdade. Sim, era a mais cruel verdade.

Any & Noah || Adaptação NoanyOnde as histórias ganham vida. Descobre agora