Henry

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Karol

O dia seguinte chegou de modo cabreiro. Havia umas nuvens acinzentadas no céu e uma tempestade que quase dava as caras, mas que ainda parecia se prender por algum motivo. E no auge da minha felicidade, negociei com Deus um dia de sol. Eu queria que o mundo estivesse com tanta cor quanto as que Ruggero pintou nas paredes pálidas da minha vida.

Tínhamos passado o dia anterior inteiro juntos. Não fizemos nada de mais, apenas ficamos rodando de carro pela cidade, ora em silêncio, ora conversando amenidades. Nada que exigisse demais ou que nos colocasse contra a parede.

Era apenas... uma questão de estar presente.

E eu percebi que necessitava muito da presença dele.

E esse tempo que passamos juntos me fez um bem danado. Por isso quando acordei no dia seguinte, deixei um bilhete para a Margô e me esgueirei para fora do apartamento, pegando um táxi rapidamente e passando para o taxista um endereço que eu sabia de cór.

Durante toda a viagem – que não era tão longa assim – não permiti que a minha mente ousasse trabalhar demais. Eu não me deixaria racionalizar aquela atitude, porque não tinha motivos para tal coisa. O meu coração pedia e eu queria obedecer, independente do quais fossem as consequências desse ato.

No fundo, eu sabia que Agustín me repreenderia, por isso também não lhe disse nada, mesmo quando falei com ele por telefone ainda dentro do táxi, e fiquei sabendo que ele estava se recuperando, apesar de que o médico precisaria que ele ficasse em observação por mais uns dias.

Depois eu iria vê-lo. Mas só depois.

Antes eu tinha que ver outra pessoa.

Quanto mais me aproximava do endereço que dei ao motorista, mais as minhas mãos suavam e mais alta ficava a pressão atrás da minha cabeça e em cima dos meus ombros, como se o meu corpo fosse simplesmente explodir.

Mas eu aguentaria.

A esperança era muito maior.

Eu estava simplesmente cansada de esperar o melhor momento, a melhor ocasião ou a justiça. Nada disso deveria interferir no meu caminho. De jeito nenhum. E ficar protelando as coisas, ainda mais naquele momento em que meu coração começava a gritar por ele, era como tentar me matar.

E eu queria viver.

─ Chegamos. ─ O motorista disse me arrancando dos meus devaneios.

Só nesse instante percebi que estava prendendo o ar.

Exalei pela boca e desafivelei o cinto, pegando alguns dólares no bolso da calça e entregando a ele, explicando que podia ficar com o troco.

Abri a porta e sai. O vento assoprou meus cabelos e me fez estremecer.

Absolutamente tudo ali me remetia as mais dolorosas lembranças. Aquele lugar era um carro desgovernado que me atingia em cheio. Sempre seria o cenário dos meus pesadelos, porque foi naquele bairro tão pomposo e recheado de 'famílias de bem' que vivi meu inferno.

O táxi deu a partida e se foi, mas eu permaneci no meio da estrada olhando em volta.

Tudo exatamente igual.

Tão igual que me dava calafrios.

Abracei meu corpo e por um segundo pude ver o dia em que fui presa. Havia tantos carros da polícia, ambulâncias, carros da reportagem...
Nos meus ouvidos ecoavam as sirenes, as vozes... E o meu olfato podia captar perfeitamente o cheiro de perfume caro e alvejante; o odor de ferro e sal dançava pelo ar. Sangue. O sangue estava por toda a parte.

À Prova de BalasOnde histórias criam vida. Descubra agora