A última página

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Último capítulo

Clarice Lispector disse uma vez em um de seus livros que o "mistério do destino humano é como somos fatais".
Ela partia do pressuposto de que nossos destinos já estavam traçados, com um ponto final lá na última linha, que ditava o encerramento de uma jornada, seja ela produtiva ou não. Fosse como fosse, éramos fatais, fadados a um rompimento.

Mas na segunda parte ela recomeça: "mas temos a liberdade de cumprir ou não o nosso fatal." E que de nós depende realizarmos ou não esse destino.

Nesse momento ela quer dizer que ainda temos o livre-arbítrio.

E eu me lembro de ter estudado sobre essa autora brasileira nos meus anos de escola, pouco antes de me formar.
Recordo-me que nunca me permiti me esquecer dessa passagem.

Assim como o Rodrigo – o protagonista – eu me via sobre um profundo questionamento acerca do que está guardado para nós.

E de algum lugar longínquo e adormecido algo foi despertando dentro de mim, acendendo-se como uma luz que pensaram que estava queimada.
A força que habitava na minha alma me impulsionou a vir à tona, como se eu pudesse ignorar o meu destino fatal e me sobressair disso.

Como se alguém soprasse dentro de mim, abri os olhos, obrigando os 'bips' a funcionar de novo.

Nem dava para acreditar como eles tinham se calado. Mas agora estavam berrando novamente.

Minhas pálpebras pesadas foram forçadas a se manterem abertas.

Encarei um teto branco logo acima de mim e pensei que ia desmaiar por causa da dor na cabeça, mas então inúmeras vozes alardearam o meu nome, porém não reconheci nenhuma.
Era estranho.

─ EU PRECISO VÊ-LA! EU QUERO ENTRAR! É A MINHA MULHER. EU TENHO O DIREITO DE VÊ-LA. VOCÊS NÃO PODEM DESLIGAR OS APARELHOS! NÃO PODEM FAZER ISSO!

Tentei abrir a boca para falar, mas me dei conta que havia algo entre os meus dentes, descendo pela minha garganta, fazendo tudo doer absurdamente.

Um tubo? Talvez.

O ar nos meus pulmões pareciam brasas.

Eu estava zonza.

─ O senhor precisa se acalmar! ─ Alguém disse. Eu tentei virar a cabeça, mas não consegui. ─ A paciente despertou! Ela acordou. É um milagre, mas ela acordou!

Meu maxilar estava me matando de agonia porque parecia torto, fora do lugar, completamente deslocado, então forcei meu braço a levantar para tocar o lugar incômodo, mas havia tantos fios e agulhas e...

O que porra estava acontecendo?

─ Karol...

Aquela voz.

Aquela voz. A minha voz favorita.

Deitei a cabeça um pouco de lado, mas não pude vê-lo, só conseguia ouvir sua respiração pesada, como se estivesse chorando.

Seu toque veio no instante seguinte, apertando minha mão.

Ruggero! O meu detetive estava vivo! Ele estava vivo... Escorpião mentiu. Ruggero estava bem.

─ Meu amor, minha vida... ─ Seus lábios delicados repousaram sobre os meus dedos. ─ Você voltou pra mim. Você voltou...

Mas do que ele estava falando? Voltei de onde? Estávamos juntos no dia anterior, na varanda, tomando vinho, contemplando a minha estrela, a nossa constelação...

À Prova de BalasWhere stories live. Discover now