Capítulo 12

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ALFONSO

Estava chovendo para cacete. Meus pés guinchavam dentro dos tênis encharcados, mesmo assim eu andava pelas ruas, sem ter ideia de aonde estava indo. Tudo o que eu sabia era que tinha que continuar movendo os pés. Era importante que eu fizesse isso. Avistei minha moto do outro lado da via. Coloquei um pé no asfalto, mas me detive, e o mesmo ocorreu com minha respiração. Meu coração, porém, começou a bater feito louco, parecendo um bumbo em meus ouvidos.

A razão?

A garota do outro lado da rua, o cabelo empapado, os óculos pendendo em uma das mãos, os olhos fixos em mim, os lábios ligeiramente fartos separados. Eu estava correndo em direção a ela antes que me desse conta, as poças encharcando minhas meias até os tornozelos. Parei a meio passo dela, o peito subindo e descendo, uma felicidade inexplicável brotando ali dentro. Ela não era muito alta. Sua cabeça mal chegava à altura dos meus ombros, por isso teve que erguer o queixo para me encarar. Sua expressão destoou do meu sorriso bobo.

— Você chegou tarde — murmurou, com tristeza.

— Cheguei?

Ela fez que sim, desolada. Acompanhei com o olhar uma lágrima escorrer por sua bochecha, contornar a boca, se pendurar em seu queixo antes de pingar, caprichosa, nos meus tênis ensopados. Quando levantei os olhos outra vez, ela se afastava, atravessando a rua.

— Não! Espera! — Fui atrás dela.

Ela não podia ir embora. Não quando meu peito se retorcia daquele jeito por causa dela. Um guincho agudo me fez olhar para a esquerda, e tudo o que vi foram os faróis do ônibus a meio metro de distância. Levantei os braços para proteger a cabeça...

— Não!

Acordei de súbito, arfando na penumbra.

Estiquei o braço e acendi o abajur. Eu estava no quarto, em segurança. Nenhum ônibus por perto. Estava tudo bem, tinha sido só um maldito pesadelo.

A sensação de medo e perda, já tão familiar àquela altura, me invadiu.

Era comum eu sonhar que andava com minhas próprias pernas. Na verdade, eu nunca sonhara que estava na maldita cadeira. Não se sonha com aquilo que se tem, mas com o que se deseja. Talvez por isso eu tivesse sonhado com Anahi.

Um gemido baixo vindo do quarto em frente atravessou o corredor, passou por baixo da porta e chegou aos meus ouvidos. Peguei os fones e os pluguei no celular, ligando Led Zeppelin no último volume. Era toda a privacidade que eu podia dar a Dulce e Christopher agora. Enquanto Robert Plant gritava em minhas orelhas, tentei esquecer aquele pesadelo e não pensar em seus significados. Era fruto daquela noite insana, só isso.

Nada havia saído como eu esperava. E eu havia adorado. Dona Begônia era louca de pedra e um amor de pessoa. Quando bati na porta da casa dela, esperava que Anahi a abrisse, e não sua tia. Eu tentara ir embora sem causar danos, mas, quando eu disse quem era, a mulher pequenina pareceu maravilhada. Então, seus olhos desceram mais um pouco, e a pobre não pôde esconder a surpresa.

— Não sou exatamente o príncipe encantado que a senhora esperava, sou?

— Ao contrário, meu querido. — Ela ergueu os olhos e sorriu. — Você é ainda mais charmoso do que eu tinha imaginado. Me desculpe, Alfonso. É que a Anahi não disse nada a respeito de você gostar de usar meias quadriculadas uma de cada cor.

Olhei para os meus pés. Cacete. Em minha afobação, calçara as primeiras meias que consegui encontrar.

— Ah... — Dei risada e o clima ficou mais leve.

Mentira Perfeita - ADPOù les histoires vivent. Découvrez maintenant