"Fragmentos da realidade"

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— Vamos logo, Ester. Você colocou o perfume?

— Sim — mal escutei quando a minha voz saiu, tamanho era o medo de que algo desse errado na festa. Para ser sincera, eu não ligava para ela, mas sabia que a minha mãe ficaria chateada se uma situação atípica acontecesse debaixo do nosso teto. Poucas pessoas viriam, apenas os vizinhos, família e alguns amigos antigos dos meus pais. Mesmo não conhecendo nem metade dessa última categoria, ficava feliz com os presentes extras que eu receberia.

Meu cabelo cacheado havia sido cuidadosamente penteado com gel e minha mãe utilizara uma presilha brilhante para prender no topo. Sendo assim, os cachos, apesar de curtos (batiam nos ombros) eram grossos e brilhantes. Para completar o visual, coloquei um vestido rosa bebê rodado, usando sapatilhas brilhantes nos pés.

— Você parece uma princesinha! — vovó Dandara, mãe do meu pai, elogiou quando adentrou a sala da minha casa. Ela beijou minhas bochechas, que estavam coradas por causa do blush que mamãe passou nelas, e amassou um pouco dos meus cachos. — Esse cabelo, então, não vou nem comentar! Sandra — ela disse, referindo-se à minha mãe. — Você sabe cuidar do cabelo dela como ninguém.

E saiu, indo conversar com os meus pais. Eu aproveitei a deixa e sentei-me no sofá, alisando com cuidado extremo a barra do vestido. Eu estava, de fato, me sentindo linda. E também, animada com a noite que estava se aproximando.
Entretanto, a minha alegria não durou muito. Aliás, acabou assim que Luanete, Théonísio e o pai chegaram, pouco depois que dez minutos se passaram.

— A Carol não pôde vir — Mário, o pai dos vizinhos, falou, após cumprimentar o restante dos convidados. — Ela está com uma enxaqueca das fortes. Não posso nem abrir a porta do quarto que ela reclama, porque a luz incomoda.

— Tadinha — vó Dandara disse. — Eu conheço um chá ótimo para dores de cabeça fortes. Depois, passo a receita para vocês.

Meu coração batia forte no peito. O medo do Théonísio estragar a minha festa era gigantesco. E se ele me fizesse passar vergonha na frente de toda a minha família? E pior, na frente dos amigos de longa data da mamãe? Eu mataria ele!

— Obrigado — Mário respondeu, apesar de que eu desconfiei que ele não conhecia a minha avó. Em todo o caso, era um homem simpático. — Enfim — ele esfregou as mãos uma na outra. — Trouxe as crianças, e também o presente da Ester. Falando nisso, cadê ela?

— Tá no sofá — mamãe retorquiu, apontando para onde eu estava. — Depois que vocês falarem com ela, venham pegar alguns salgadinhos, ok? Acabei de tirar uma fornada. Estão bem quentinhos.

Mário concordou e veio em direção à mim, com Théonísio e Luanete atrás. Ele se agachou, para ficar da minha altura, e me deu um abraço.

— Feliz aniversário! Conversei com a sua mãe e seu pai sobre o que nós poderíamos te dar de presente... Como nos conhecemos há bastante tempo, e sei o carinho que você tem pelos meus filhos, queria que te retribuíssemos. Espero que você goste.

Então, Théonísio tirou um plástico detrás do corpo. O olho que estava livre da franja brilhava como um vagalume. Eu estava ferrada. Para ele estar empolgado assim, boa coisa não podia ser.

Foi quando eu botei os olhos nele.

Um peixinho betta vermelho, pequenino, do tamanho do meu dedão. Ele nadava com classe de um lado para o outro, parecendo se exibir diante de mim.

— Não acredito! — gritei, abraçando Luanete num ato impensado de felicidade. — Meu Deus!

— Você gostou? — Mário questionou, já sabendo a minha resposta. — Eu soube pela Luanete que você queria um gato, ou um cachorro, mas conversei com a sua mãe e ela disse que não seria interessante, porque eles exigem muito cuidado. Mas um peixinho também é legal! Eu tive vários quando era menino...

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