Ruggero

— Quero dar uma olhada. — Dei outro passo.
— Não me leve a mal, mas minha casa está desarrumada. Não posso
receber uma visita tão importante.
— Você prefere receber a polícia? — Puxei minha última gota de
paciência, quase dando um pontapé na porta para entrar.
— Ela não está aqui. Garanto.
— Sai da minha frente, senhora!
— Ela não…
— Sai da minha frente, porra! — Perdi a paciência na frente da minha
filha e a mulher se encolheu no canto da porta, dando-me acesso à entrada.
Invadi a residência, levando Isabela comigo, e ouvi barulhos de
lâmina à medida que meus pés avançavam na casa tão entupida de móveis
que dificultava o acesso.
— A água está no ponto. Acabei de passar a faca na pedra, está
amoladíssima. — A voz veio de um sujeito despido da barriga para cima, que
sustentava um pano de cozinha no ombro esquerdo e cortava temperos
frescos sobre o balcão da cozinha externa.
— Bom dia! — Bati duas vezes sobre o portão de ferro do quintal. O
som estrondoso fez o homem largar a faca no chão e dar um pulo para trás.
— Que porra é essa, véi? — Manifestou-se ofegante, levando a mão
ao peito.
— Vim buscar a galinha de Isabela. Para o bem da sua saúde é bom
que ela não esteja depenada.
— Belinha… — O olhar do sujeito enterneceu. — Eu não queria
deixar você… — Calou-se quando flagrou minha cintura, precisamente o cabo da pistola.
— Gavabundo, bocê, Dejamim — Isabela disse autoritária, com dois
minúsculos dedos em riste, certamente reproduzindo uma fala da mãe.
— Calma, bebê, deixa comigo. — Apoiei a cabeça dela outra vez em
meu ombro. — Me traga a galinha, rapaz.
— Você já conversou com a karol ? — Fazendo-me perder mais
tempo, ele puxou uma camiseta da cadeira e colocou no corpo. — Ela sabe
que Belinha está com você?
— Mamãe não dosta desle chujeito! — Isabela alertou, sonolenta. —
Munto de gavabundo.
— Essa menina é tão desaforada quanto a mãe. — A mulher de
quadris largos surgiu atrás de mim e seguiu na direção de uma portinhola de
madeira presa à parede — É isso que você veio buscar? — Arrastou uma ave
gorda e desanimada lá de dentro e a trouxe presa pelas asas.
— Nenélope! Luggelo gaurdou um papá deíssa pala sua dabiguinha.
Isabela estendeu a mão na direção da galinha, mas foi surpreendida.
— Leve essa porcaria! — Evidentemente contrariada, a mulher atirou
a ave com toda força no chão, causando um cacarejo infernal, fazendo um
choro sentido escapar da bebê no meu colo.
Foi automático. No segundo seguinte, uma de minhas mãos estava
fechada no pescoço do sujeito que entrou na frente da avó de Isabela.
— Solta ele! — a mulher gritou e transferi meu olhar para ela. —
Pega a galinha e nos deixa em paz! — falou trêmula, enquanto meus dedos se
afundavam na garganta do cara. — Você vai matar ele!
Reavaliando o mau exemplo que estava oferecendo para minha filha,
soltei o moleque com um solavanco e acariciei a cabecinha de Isabela. Seu
corpinho tremia com os soluços.
— Casinha de Nenélope. — A pequena apontou para uma caixa de
transporte cor-de-rosa jogada no canto da parede.
— Isso não vai ficar assim! — a mulher gritou perto de mim, em uma
tentativa tola de me intimidar. — Todos vão saber que você invadiu a minha
casa e quase matou o meu homem!
Sem gastar mais palavras, coloquei Isabela no chão e fui buscar a
caixa de transporte.
— Calma, Zuleide, não complica mais! Quer ir para a cadeia,
caramba? Abandonamos a criança na porta dele.
O sujeito segurou a mulher por trás, tossindo, tentando conscientizá-la
de tal possibilidade. Ignorei os dois e, de posse da caixa rosa, segui Isabela,
que entrou na casa com o vestido improvisado quase arrastando no chão,
levando a galinha gorda e escandalosa entre os braços.
— Cosas de Nenélope. — A pequena parou na frente de um armário e
olhou para a cesta de junco repleta de ovos.
Sentei-me sobre meus calcanhares, abri a caixa de transporte e
empurrei a ave escandalosa para dentro da jaula.
— Os ovos são meus! — disse a avó, puxando a cesta com
velocidade. Isabela alargou a pequena boca, ligando sua buzina estrondosa,
soluçando com os olhos tomados por lágrimas. Senti uma dor lá dentro do
peito. — É assim que ela consegue tudo!
— Vou levar os ovos.
Parei meu corpo na frente da mulher.
— Apenas um é dessa galinha, colocou hoje cedo. Os outros são
meus!
— Você entendeu que Isabela quer os ovos e ela vai levá-los?
— Você e karol  são dois soberbos, duas cobras criadas!
Entregou-me a cesta contra a vontade.
— Vamos, bebê. — Ignorei o ódio gratuito que vi nos olhos da
mulher. Em meus pensamentos, questionei o motivo que justificasse a
desavença entre mãe e filha. Não era normal.
— Karol  vai pagar tudo o que faz comigo quando essa menina
crescer. — A maldita jogou uma praga qualquer e só me deixou mais
preocupado.
Quem exatamente era a mãe de Isabela? Não era possível que a
jovenzinha meiga que esteve em meus braços anos atrás fosse tão venenosa
quanto a bruxa.
Alcancei o carro e subi os vidros. Prendi o cinto de segurança em
Isabela e coloquei a caixa da galinha no espaço traseiro do assoalho.
— Feliz com a sua amiguinha escandalosa? — Organizei os cabelos
rebeldes da criança, contagiado pelo desejo de vê-la bem. Era tudo o que
interessava para mim.
— Os bancos num é do bumbum de Nenélope — Isabela disse,
olhando para a cesta sobre o colo.
— Oi, bebezinha?
— Ovinho de Nenélope é malelinho e deíssa. — Apontou para um
ovo marrom entre os brancos. — Os bancos tudo de Juiede.
— Me dá aqui.

armadilha ou destino ? ( Terminada)Where stories live. Discover now