Capítulo 14 - Pietá

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De volta a caminho de casa, escuto todas as chamadas perdidas no meu celular. A maioria era de meu pai, outras da minha mãe e outra era do Chan. Pensei que ele estaria irritado por eu ter me afastado dele sem ao menos dar uma explicação. Explicação essa que não tem, apenas me afastei de todos que conheci naquela época. E me sinto culpado por isso, está na hora de concertar os estragos que causei.

Quando comecei a trabalhar, finalmente pude sair da casa de meu pai e morar sozinho em um apartamento no Circular Quay, um bairro não muito longe do mar. Foi uma das únicas decisões que tomei ao qual nunca me arrependi. Não viver mais no mesmo teto que Marvin se tornou uma conquista enorme, já que ficar longe dele sempre foi um objetivo. Depois daquela noite no mar, ele parecia menos irritante querendo mostrar um pingo de empatia pela morte de meu amigo. Mas eu só podia sentir o cheiro de sua falsidade de longe.

Chego em meu apartamento, ascendo poucas luzes, o suficiente para que eu não esbarrasse em nada. Então me jogo no sofá sentindo a exaustão chegar. E quando fecho meus olhos, eu já estava sonhando.

O lugar era escuro, não dava para ver onde eu estava. Estendo minha mão procurando algum interruptor para ascender a luz, mas ela não encostava em lugar nenhum. Quando de repente sinto algo liso encostar na palma da minha mão. Liso e gelado, parecia uma placa de vidro de alguma vitrine. De repente uma única luz é acesa revelando a minha frente a vitrine do museu. Não havia nada em exposição, mas de repente começa a chover pérolas dentro dela. E aos poucos vai enchendo como uma piscina de pérolas.

Com medo, dou passos para trás na tentativa de sair de lá. Quando um som alto de um interruptor pesado ecoa atrás de mim, e outra luz é acesa em outra vitrine. Devagar e calmo, me viro lentamente até poder ver a outra vitrine, que dessa vez, mantinha algo em exposição. Uma estátua de Pietá. Aquela famosa em que Maria carrega em seus braços o corpo de seu filho Jesus Cristo. Por que algo assim estaria em uma vitrine fechada? Escuto um estrondo atrás de mim e o susto me faz olhar novamente para a vitrine das pérolas. Estava lotado delas, prestes a estourar por conta da pressão. O vidro começa a rachar, mas eu não conseguia me mover para sair de lá. O vidro estoura e no mesmo instante eu me encolho me abaixando até o chão para me proteger dos cacos de vidro que de repente desaparecem.

Volto a me erguer, e as pérolas agora estavam espalhadas pelo chão, algumas rolavam até o meu pé. Porém algumas delas estavam manchadas de sangue. Sigo o rastro de sangue com os olhos, até olhar para a vitrine estourada. Meus olhos se arregalam com o que vejo. Uma releitura de Pietá. Era uma estátua minha, vestida de príncipe. E em meu colo estava o corpo de Felix na forma de tritão. Ele não era uma estátua, era ele de verdade. Seu corpo estava todo ensanguentado, pálido. Literalmente, um peixe morto.

— Felix! — Grito seu nome, deixando o desespero invadir meus pulmões. Tento correr até ele, mas parecia que eu corria em uma esteira, pois nunca consigo alcança-lo.

Grito seu nome mais uma vez. De novo e de novo. Até algo me puxar com força para baixo e eu acordar ofegante daquele pesadelo horrível. Passo a mão por todo meu rosto ainda tentando me recompor. No mesmo instante sinto a raiva subir pelas minhas veias. Não consigo nem ao menos dormir, que ele sempre vai estar lá para me perturbar. Felix, eu deveria esquece-lo, mas não consigo. Sua frase antes de morrer foi como uma maldição que nunca mais poderá ser desfeita. Ser assombrado pelo passado e pela culpa não o ter mais ao meu lado... esse foi o destino escolhido para mim.

...

Passo o resto da noite acordado, apenas esperando amanhecer e dar o horário de ir para o trabalho. Mais tarde, quando chego no Sydney Aquarium, Minho e Margue já estavam no laboratório. Porém, havia outra pessoa de costas ao lado de Minho. E eu já sabia quem era.

Australian Beach - HyunlixOnde histórias criam vida. Descubra agora