Prólogo;

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Um adeus à Rua Cintilante;

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A cor de Gio era azul.
Desde sempre, o azul de seus olhos.
A cor da criatividade, lealdade, confiança e também espiritualidade.
Azul da cor do mar, amplo, profundo e extremamente solitário.
Azul melancólico, que se desfaz no acinzentado das hortênsias, espalhado pelo céu nublado e orgulhoso nas veias expostas através da pele sépia.

André, por sua vez, tinha a cor verde nos olhos, na alma e em sua gravata borboleta favorita.
O verde equilibrado, saudável e esperançoso da natureza.
Aquele que crescia desde o musgo em seus pés descalços até as copas das árvores sobre os cabelos repicados.
Que tinha seu cheiro específico na temporada de chuva, tom vibrante em folhas recém nascidas e brilho admirável nos brincos de esmeralda que sua mãe usava todo natal.

Lê sempre fora um mistério, porém a cor roxa parecia lhe agradar.
Roxo misterioso e espiritual, nem um rosa suspeito, nem o azul indesejado que infelizmente carregava consigo.
Apesar de possuir os olhos do irmão, o mesmo cabelo cacheado loiro esbranquiçado e pele tão retinta quanto a "mistura" de seus pais poderia fornecer aos gêmeos, não poderiam ser mais diferentes em questão de personalidade.
Afinal, Lê preferia o roxo, incapaz de poder escolher o rosa.

"A Rua Cintilante", era como a chamavam.
Não possuía aquele nome, não literalmente.
"Rua Cintilante" surgira por fruto da imaginação fértil que trazia mil e um motivos para o asfalto, quando exposto à luz da lua, brilhar tal qual numa floresta encantada.

Gio, André e Lê pareciam inseparáveis mesmo fora de jantares planejados para negócios entre os pais severos.
Agora, conforme Lê segurava o choro com olhos fixos nos próprios pés, Gio soluçava através de óculos embaçados ofuscando sua última visão do melhor amigo de infância.
Ali, parado na calçada, André estava de pijamas e chinelos como um bônus à expressão sonolenta de quem entenderia o ocorrido dias depois, ao perceber que os gêmeos não voltariam para a casa da frente.
"André, vai pegar sereno..."
Sua mãe chamou em voz doce, mesmo que os olhos tristes expressassem uma preocupação maior do que poderia se permitir mostrar ao filho.
"A Tia saiu de mala e tudo, mas sem o Tio."
O menino murmurou, arrastando seus chinelos verde escuro pelo caminho de pedras guiando a volta para casa.
"Eu sei, mon chéri, e isso é coisa de adulto. Depois a mãe te explica, tá tarde."

André olhou de relance para o lado de fora uma última vez.
A luz da lua cheia banhava a rua úmida, e agora, mesmo sem a presença dos dois amigos, o asfalto refletia sua melancolia ingênua diretamente para os olhos esverdeados do garoto chorão.

Anos depois, André poderia compreender a realidade dolorosa de sua separação.
O azul que os gêmeos traziam nos olhos tinha tom herdado do pai, Leonel, do mesmo jeito que André possuía um verde misturado com o avelã de sua mãe.
Conhecia muito bem a vontade de poder sentir que, apesar dos olhos continuarem a espelhar suas origens, a distância de casa tornaria aquela semelhança quase suportável toda vez que encarasse a própria reflexão.

Beijos na esquina da Rua CintilanteWhere stories live. Discover now