Capítulo 2

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Enquanto se vestia, havia um nó em seu estômago.

Era uma sensação horrível não entender de onde vinha seu desconforto. Sua cabeça doía de tanto pensar em possíveis alternativas para o que havia acontecido com ela, mas nenhuma fazia sentido. A mulher de vestido vermelho — Mor — havia mencionado a prisão, e, apesar dela saber que estava em uma prisão antes de ir para lá, não conseguia se lembrar o motivo que a havia levado presa. Fazia tempo que ela não se lembrava. Deitada na escuridão e podridão de sua cela, às vezes, quando recuperava a consciência e tinha forças o suficiente para pensar, ela não conseguia se lembrar do porquê estava ali. Tampouco sabia quando essa memória fora embora. Simplesmente havia decidido que era melhor não se lembrar. Era melhor esquecer.

Ao contrário do meu primo, sei que você não estava na prisão da ilha sem um bom motivo.

De fato. Algo no fundo de seu peito sabia muito bem disso. Talvez ela devesse ter ficado naquela cela. Provavelmente merecia.

Com relutância, ela voltou para o banheiro e deslizou as alças de seu vestido pelos ombros, deixando que o pano deslizasse para o chão e revelasse seu corpo nu. Ficou horrorizada com a visão de sua pele, mas não desviou o olhar de seu reflexo.

São suas lembranças, ela pensou para a imagem no espelho. É tudo o que restou de quem você era.

Ainda que tenha conseguido se convencer disso, a visão continuava terrível. Seu corpo era uma tela para cicatrizes. Havia marcas horríveis no torso e no abdome, hematomas, cortes recentes e cicatrizes altas que pareciam muito, muito velhas. Outras eram apenas riscos prateados, memórias do que um dia teriam sido ferimentos. As costelas altas pioravam tudo, fazendo-a parecer doente, e havia uma tatuagem escura na forma de estrelas sob uma delas. Céus, que monstro vivia naquele corpo?

Sua garganta apertou conforme ela contornava os ferimentos com a ponta dos dedos e se virava. Reprimiu um grito ao entortar o pescoço para encarar as costas no espelho, e levou a mão à boca para esconder o choque. Aquilo não eram cicatrizes ou marcas comuns — marcas horrendas desciam desde suas omoplatas até a base da coluna, resultado do que ela imaginava ter sido dias, talvez anos de chibatadas. Seus olhos arderam, sua garganta apertou, e ela pensou que os joelhos cederiam de novo. Quem quer que ela fosse... Bem, ela deveria ter feito coisas horríveis para receber aquilo. Não havia chicotes na prisão. Talvez já tivesse sido presa antes.

Mor estava mais do que certa. Ela não estava presa sem um motivo, e, assim que seu primo e a tal de Feyre percebessem que ela era, sim, um perigo, enxotariam ela de volta numa cela menor ainda, mais escura, e não haveria nunca mais luz do sol para pinicar seus olhos.

Ela não podia deixar que suas cicatrizes fossem vistas de forma alguma.

Caminhou até o guarda-roupa e tirou dos cabides um moletom escuro e uma calça. Não podia arriscar com os vestidos. O de mangas compridas tinha as costas abertas, e os que escondiam as costas mostravam os braços. Ainda que as roupas que tivesse escolhido fossem horrendas — e grandes, pelos deuses! Mais de um palmo das calças arrastavam no chão, e ela precisou dar um nó na cintura com uma presilha de cabelo — ela o que ela podia usar por enquanto.

Seu coração cavalgava, ainda que ela tivesse a impressão de que já estivera em situações muito, muito piores. Engoliu em seco, lavou o rosto e, encarando os olhos azuis como tempestade no espelho, deu um tapa no próprio rosto. Argh. Sua visão escureceu, talvez pela força usada — força que ela não tinha — ou pela dor, mas ela precisou se apoiar na pia para não cair de novo. Seus dedos ficaram marcados na bochecha, mas ao menos poderia se concentrar na dor e não no próprio medo. Precisava deles pra descobrir a verdade, precisava de quem quer que estivesse naquela casa para descobrir o que estava acontecendo.

Corte de Sombras e TempestadesWhere stories live. Discover now