1. Desculpe, eu estava com pressa

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Ele odiava chegar atrasado. Era um dos traços de personalidade que não gostava nos outros e não admitia em si mesmo. Nos últimos meses, entretanto, o fato de estar atrasado parecia ser seu destino inevitável. Era como se ele estivesse fadado a correr atrás de todos os prazos e todos os acontecimentos.

As coisas vinham acontecendo assim desde o último mês de abril.

Doze meses impossíveis. Um ano inteiro.

Um ano no qual Shawn Mendes sentia-se como se estivesse preso aos últimos cinco minutos de um filme de guerra em que estivesse vendo o herói a correr pelos trilhos, tentando apanhar o trem que o levaria para a liberdade.

Não importa o que fizesse, esse trem parecia afastar-se dele cada vez mais.

As coisas sempre pioravam. Ellen despedira-se, avisando com antecedência de um dia. Era a terceira babá que ia embora em um ano, sem contar as que ele próprio despedira. Parecia que não tinha mais sorte com as babás do que com seus horários.

— Não foi sua culpa, Andy.

Shawn olhou para o bebê aninhado em seu colo. Quando os grandes olhos castanhos esverdeados o fitavam daquela maneira, algumas vezes ele tinha a impressão de que a filha tinha o poder de intuir as coisas, que sabia exatamente o que ele pensava e reagia de acordo.

Não importava que contasse com pouco mais de um ano de idade e que tivesse problemas para alimentar-se sem espalhar o conteúdo da colher pelos cabelos cacheados. Ela enxergava sua alma.

— Queria que soubesse que nada disso é sua culpa. As coisas parecem estar desmoronando, mas não é verdade. Vamos passar por tudo isso, você e eu. Não duvide disso. Papai vai conseguir resolver tudo.

A última frase não soou convincente nem para ele mesmo.

Andrea sorriu ao som da voz paterna e resmungou alguma coisa ininteligível numa resposta que ele considerou positiva. O sorriso da filha nunca deixava de reanimá-lo. Era o único ser humano importante em seu mundo virado de cabeça para baixo, agora que Cristina se fora.

Um pequeno estacionamento atrás dele encontrava-se atulhado de veículos, na maioria utilitários familiares, atestando o fato de que as pessoas que assistiam à sessão haviam chegado.

Ele pretendia sair cedo do trabalho, porém Rex o encurralara no corredor, desesperado para trabalhar alguns dados que um pretenso cliente necessitava no dia seguinte à hora do almoço. Aquilo o retardou consideravelmente. Em vez de chegar em casa cedo, Shawn terminara meia hora atrasado.

— Puxa, essa história de ser papai e mamãe ao mesmo tempo não fica mais fácil com o tempo, sabia? — disse ele, baixando a cabeça na direção da filha.

Pôs-se a caminho, subindo os degraus que conduziam ao local onde teria sua aula, de um curso chamado "O Bebê e Eu".

— Eu sei que você não tem nada em que se basear para comparar. Mas prometo melhorar. Acho que temos bastante espaço para isso.

Ele estava dedicado a melhorar de verdade. Era o que o levara a inscrever-se no curso em primeiro lugar. Seria o tipo de coisa que Cristina teria feito, se tivesse a oportunidade.

Ele mal tivera tempo para lamentar a perda.

Num momento ficou viúvo, no outro viu-se pai de uma menina com poucos meses. Não tivera muito tempo para as lágrimas. Nem para nada, a não ser suprir as necessidades de Andrea e trabalhar.

Era apenas no início da noite que o tempo parecia estender-se indefinidamente, como uma linha infinita.

Passara-se um ano e ele continuara com sua própria vida, mas não fora fácil. Shawn tinha os dias repletos de trabalho, de forma que não restava oportunidade para chorar ou pensar em sua situação emocional.

Andy providenciava para que boa parte de suas noites ficassem ocupadas. Durante esses doze meses ele manteve suas emoções ocultas, porém ao alcance do pensamento, até que pudesse lidar com elas.

Se é que isso iria acontecer um dia.

— Não estou escutando música — disse ele baixinho, ao abrir as portas duplas do prédio.

As aulas deveriam acontecer no andar térreo, na primeira sala à esquerda, logo após dobrar o corredor. Se a aula estivesse em andamento ele escutaria músicas infantis.

— É um bom sinal. Talvez a gente não esteja tão atrasado assim.

Não tinha motivos para acreditar que haveria música, mas de alguma forma sabia.

A verdade é que não sabia o que esperar de uma aula desse tipo, só que o fato de comparecer seria bom para Andy. Ele queria que a filha crescesse sadia e feliz, e pretendia comparar impressões com outros pais para saber se estava fazendo as coisas direito.

Talvez alguém ali soubesse onde poderia encontrar uma babá confiável para as horas de necessidade. Deus sabia que precisava de um descanso.

Ellen tendo saído na noite anterior e sem ter quem ficasse com o bebê pela manhã, Shawn, em desespero, voltara-se para sua mãe e dependia dela para cuidar de Andrea durante o dia.

Sorriu consigo mesmo. Karen Mendes não era o tipo de mulher que aparecia nas pinturas que representavam avós amorosas e caseiras. Na verdade, não se encaixaria na imagem de ninguém que pensasse numa avó. Porém, não era de se estranhar. Ela ainda preferia ser chamada de Karen do que de mamãe.

Aquela mudança iniciara-se quinze anos atrás. Karen repentinamente sentira-se jovem demais para ter um filho de quinze anos. Foram necessárias algumas mudanças. Como ela não podia diminuir os números da idade, resolveu deixar de ser "mamãe" e tornara-se Karen. Ficara em algum ponto entre uma irmã mais velha e uma tia excêntrica.

Algumas vezes, admitiu Shawn para si mesmo, sentia falta da palavra mamãe.

Olhou para Andy. Ela também sentiria.

Por isso ele precisava compensar as coisas para ela. Frequentar a aula seria uma forma tão boa quanto qualquer outra de começar. Pretendia fazer todas as coisas que Cristina não pôde, mais as coisas que Karen nunca fizera com ele.

Pretendia dar a Andy uma família estável, mesmo que fosse só eles dois.

Era uma maneira e tanto de começar, atrasado daquela forma. Apressando-se para dobrar o corredor, Shawn deu de encontro a um corpo. Mais macio que o seu. E barulhento.

Um grito soou, misturando-se ao berros de uma criança. Em sua pressa de chegar, chocara-se contra uma mulher morena que aparentemente saíra do nada, trajando calças leggings prateadas e uma camiseta longa amarrada ao quadril esguio.

Carregada com a bolsa de fraldas e os equipamentos tradicionais para manutenção de bebês, ela segurava uma criança gritando em seus braços.

Por um instante Shawn não percebeu se o grito vinha de seu bebê ou do dela. Em seguida reparou que ambos choravam, mais de susto do que por qualquer outro motivo.

— Desculpe, eu estava com pressa — disse ele, levantando os olhos e passando automaticamente a mão nas costas da filha para acalmá-la.

Amor Por Acaso | Shawmila Onde histórias criam vida. Descubra agora