Conto 1 - Capítulo 2

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Capítulo 2: São Paulo, 03 de Setembro de 2014

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Capítulo 2: São Paulo, 03 de Setembro de 2014

Meus dias pareciam monótonos, alguns dizem que casamentos são feitos para durarem a vida inteira, não sabia se queria acreditar naquela tradição, não mais, depois de tanta infelicidade que aquele casamento me trouxe, era até utópico analisar isso, quando tudo aquilo aconteceu, a verdade é que nunca se conhece alguém 100%, por mais que eu tenha tomado toda a precaução, ficava aquele sentimento de culpa, como eu não havia percebido? Todavia, será que eu continuaria carregando aquele peso?

Será que eu viveria aquilo minha vida inteira? Eu merecia isso? Às vezes, pensava preferir a morte, mas eu tinha uma terceira opção. Eu estava disposta a recomeçar do zero? Teria forças para isso? Quando uma mulher está caída, poderá encontrar forças para renascer?

Eu estava cansada, uma rotina ridiculamente acabada, como o meu casamento. Recebi uma ligação de uma amiga minha dos tempos da faculdade, arquitetura sempre foi o meu sonho, amava olhar para um prédio ou casa e saber exatamente como fazer algo melhor ou mais bonito, às vezes apenas admirar, prédios, casas eram mais simples de se compreender.

— Alô. — Disse desanimada.

— Alô, Maria?

— Sim, Milene?

— Eu mesma.

— Tudo bem com você? — Hesitei, queria perguntar sobre a empresa dela.

— Estou ótima e você.

— Bem. — Respirei pesadamente.

— Não parece.

— Estou sim — fingi animação e sorria falsamente, para que o som da minha voz saísse mais feliz do que de fato eu estava, olhei-me no espelho e não reconhecia aquela caricatura que sorria falsamente com um celular em seu ouvido. Respirei fundo.

— Eu tenho uma super novidade, eu vou expandir o meu negócio e em breve, abrirei uma vaga para mais uma arquiteta, pensei em você. — Uma parte de mim floresceu, mas como àquela altura eu poderia voltar a sonhar, me livraria da culpa e da sensação de que eu deveria me castigar por me meter naquela situação, de que eu merecia aquilo? — Alô? Está aí Maria?

— Me desculpe, posso pensar? — Tinha vergonha de parecer desesperada por aquilo.

Fiquei desempregada depois do meu início de depressão pois tinha sofrido um aborto espontâneo, sonhava em ter filhos, as empresas nem sempre são complacentes com empregados que não rendem e com mulheres que pretendem ter filhos, consideravam que eu tinha perdido meu bebê eu sequer tinha passado em um psiquiatra, eles haviam feito tudo antes que eu processasse todos, não consegui me recolocar e meu marido me convencera a me preocupar apenas com as coisas da casa e em ter outro filho — era mais conveniente para ele —, posteriormente descobri a traição, estava tomando remédios para depressão aquilo foi a gota d'água, ele se aproveitou da minha vulnerabilidade, prometera de que não voltaria a acontecer de novo, que eu poderia procurar tranquilamente por um emprego ou melhor que ele poderia suprir as nossas despesas, entretanto eu não deveria acreditar nesse tipo de promessa, pois nunca são cumpridas. E eu me sentia mais presa do que nunca, quando descobri que ele não havia mudado, o quanto me sentia patética, a que ponto eu tinha chegado?

— Pode pensar sim, mas preciso de uma resposta logo. — Aquela era a minha chance de recomeçar, eu teria forças para isso?

— Muito obrigada, em breve, te responderei.

— Tenho certeza que não irá se arrepender, lembro que na faculdade você era uma das melhores alunas.

— Nossa nem lembrava mais, pensarei com carinho.

— Ficarei ansiosa por sua resposta e darei ênfase que quero uma resposta positiva.

— Muito obrigada pela compreensão.

— Que isso, sabe que a melhor recompensa será ter você aqui comigo.

— Assim fico sem graça. — Disse dessa vez com mais animação do que antes, dessa vez o sentimento era legítimo. — Muito obrigada pela oportunidade mais uma vez.

— Imagina, você é uma profissional incrível.

— Obrigada.

— Então é isso, até breve.

— Até. Tchau.

— Tchau. — A ligação foi encerrada.

Arrumei as coisas que estavam desorganizadas naquele lugar que já não sabia se podia chamar de lar, pois lar não é apenas um lugar para voltar é mais, é como um lugar em que se é acolhido, amado, aceito e acima de tudo feliz — não todos os dias, mas a maioria deles —.

Liguei minha TV e pesquisei coisas aleatórias, sempre cultivei meu gosto por ballet, admirava, sentia que estava distante demais de quem eu era de verdade, será que é normal se perder de si mesma dessa forma. Será que é certo? Será que em algum momento eu havia me encontrado? Tudo parecia distorcido, entretanto, mais do que isso, parecia fora de foco e obviamente, eu não queria me perder, comecei a questionar o que seria melhor para mim. Será que deveria ao invés de me sentir culpada e me afundar nesse sentimento, lutar por aquela que devia ser a minha prioridade: eu? Se eu pudesse ao menos me sentir merecedora de ter a chance de sair daquela vida horrível, se eu pudesse finalmente deixar toda aquela realidade para trás. Eu merecia mais.

Escolhi um belo vídeo de uma das apresentações de Ballet preferida, que falava sobre um cisne que se prendia em um espelho e por um feitiço estava fadado a olhar o mundo real através daquilo, olhava as pessoas, os animais e olhava também para sua realidade dentro do espelho, tudo isso, por que vendeu sua vida a um feiticeiro, em troca de um momento de glória, então, o cisne estava arrependido e se via naquela triste realidade pelo resto da vida, uma lágrima caiu, eu queria falar para aquele cisne que aquele história não podia acabar assim, ele merecia algo melhor, apenas quis realizar um sonho mas perdeu algo muito precioso em troca, me sentia como ele, me sentia ridiculamente presa a uma realidade, será que na verdade eu não era a minha própria feiticeira, a minha própria carcereira, carrasca e cobradora? Para o cisne não havia saída, mas para mim havia. Eu gostava daquela peça por que ensinava muito sobre consequências e também escolhas, pois em alguns casos tudo pode ser irreversível. Mas para mim não era assim, afinal, tudo poderia ser diferente e eu poderia me libertar do espelho. Eu teria a coragem necessária para sair do espelho e do que me prendia?

Resolvi escrever aquelas divagações em meu diário, para não esquecer de nada, não esquecer de mim.

Diário das Ex-Intensas: o lado da intensidade que ninguém conta.Where stories live. Discover now