Capítulo 3

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Arquivo original/ Livro revisado e disponível na Amazon e Kindle.

Miguel Escobar

Um, dois, três... Início minha contagem mentalmente para descer a escada da mansão. Sei que tenho que descer vinte e oito degraus, sei que a minha frente não terá nada, assim como no lado esquerdo, mais na direita tem uma poltrona. Sei que da sala de jantar para a cozinha eu tenho que dar sessenta e dois passos. Sei que meu quarto é o segundo do lado esquerdo, e com oito passos eu chego nele.

E as vezes era cansativo ter que contar cada passo para eu não me machucar. Mais era assim que eu tinha total autonomia para caminhar sozinho por toda mansão sem precisar carregar minha bengala por ela. E era por esse motivo que eu evitava ir em lugares que eu não conhecia. E evitava principalmente as pessoas, pois uma vez já me tinha sido suficiente.

Pela minha condição eu tive que aprender muitas coisas, tive que de fato compreender que eu era cego, e que seria por toda minha vida. E eu sempre seria o mais fraco em minha família, eu sempre seria um alvo fácil para pessoas ruins. E por isso eu evitava sempre o desconhecido, ainda que eu carregasse muitos sentimentos dentro de mim, eu não poderia me machucar de novo como já tinha me acontecido, ainda que nem todos sejam iguais, mais evitar as coisas era o que eu tinha apreendido.

Conforme eu me aproximava da cozinha eu já poderia ouvir diversas vozes, e mesmo sem enxergar eu sabia exatamente de quem era cada voz, cada perfume, e para qual direção eu deveria olhar.

- Mi hermosa, pupila. (Meu lindo, pupilo). – Sorri com a voz saudosa de minha mãe.

- Buenos dias. – Falei levantando minha mão assim que eu senti o cheiro de seu cabelo próximo a mim.

- Eu amo você. – Disse ela conforme eu passava meus dedos por seu rosto fino. Meus olhos oscilavam conforme eu compreendia que ela estava bem.

- Depois falam que não mimam ninguém. – Disse Normani assim que minha mãe se afastou. – Mais até eu mimaria você. – Completou com a voz risonha levando minha mão aos seus lábios e os beijando me fazendo sorrir.

E era dessa forma que meus irmãos se aproximavam, assim como meus sobrinhos, e seus cônjuges. Entendi que meus cunhados e sobrinhos compreendiam a necessidade que eu tinha em tocá-los, assim como minha família fazia comigo desde que eu era somente uma criança. Era somente assim que eu conseguia compreender se eles estavam bem ou não, ainda que eu pudesse identificar pelo timbre de voz seu estado emocional.

- O babado foi realmente feio. – Contava Vinni algo para todos enquanto já tomávamos o café da manhã.

- Será que ele se machucou? – Perguntou Ferdinando. E por algum motivo meu coração se agitou.

- Estelar, disse que sim. – Disse Normani e eu suspirei tentando compreender aquela conversa pela metade.

- Miguel. – Chamou Nestor colocando sua mão por cima da minha que estava na mesa. – Quer saber sobre o que falávamos? – Perguntou e eu franzi minha testa por não entender aquele mistério logo pela manhã de sexta, mais ainda assim balancei a cabeça concordando positivo de que eu queria saber.

- Isaak, sofreu um acidente de carro. – Contou Vinni exasperado como sempre fofoqueiro passando por cima de alguém que iria contar algo.

- Neném. – Ralou Matteo o marido.

Fiquei em silencio sentindo todas as emoções se apossarem de mim. Isaak, era a pessoa que não saia da minha cabeça, e ainda que tenha passado três anos desde aquele desajuizado tenha me beijado, eu não conseguia o esquecer. Compreendia que eu tinha sentimentos por ele, mais eu não conseguia lidar com esse tipo de sentimento ainda que eu fosse um bom romântico.

- Hermano. (Irmão). – Me chamou Nestor me tirando daquele devaneio impiedoso.

- Espero que ele tenha ficado bem. – Falei dando um sorriso casto fingindo uma falsa tranquilidade. – Eu preciso ir, amanhã é meu conserto. – Falei me levantando da mesa com cuidado e ouvi os diversos suspiros direcionados a mim.

Era sempre assim quando se tratava dele.

Ainda assim eu segui meu caminho até a saída da mansão, onde peguei uma de minhas bengalas que ficava próxima ao aparador de chaves. Um, dois, três ... era dez degraus e seis passos, até chegar ao carro onde Castilho já me esperava, e talvez ele tenha estranhado eu não parar para tocar em seu rosto.

Mais meu coração estava preocupado de mais, e por mais que eu tenha deixado ele realmente se afastar de mim e de minhas confusões, eu precisava saber se ele realmente tinha ficado bem. Pois, Isaak, ainda era o desajuizado que conseguiu penetrar meu coração.

******

Meu coração batia agitado a cada passo contado por mim, eu sentia meu corpo tremer enquanto eu me mantinha de braços dados a Castilho. E eu de fato já estava arrependido de ter vindo.

- São onze passos daqui até o leito. – Disse Estelar me fazendo sorrir com sua preocupação em ter contado cada passo para mim.

- Obrigado. – Agradeci deixando Castilho me abrir a porta.

E com o coração batucando eu segui contando até o leito onde Isaak estava. Bati minha bengala no ferro da cama assim que eu estava perto o suficiente.

- Se eu soubesse que você viria até mim, eu tinha me arrebentado bem antes. – Disse ele com aquela maldita voz que me atormentava dia e noite, em três fodidos anos.

- Não diga bobagens. – Falei levantando minha mão no ar e tremi por sentir a sua me puxando. – Como se sente? – Perguntei me sentando ao seu lado na cama.

- Vou sobreviver. – Disse com a voz risonha e eu levantei minha mãos no ar. E como entendimento e ele a levou em seu rosto.

Meus dedos tremiam como aquela repentina aproximação, eu era de fato um covarde por ter deixado ele sair da minha vida, mais infelizmente eu não serviria para ele, e como confirmação uma voz o chamou.

- Isaak. – A voz soou carinhosa, os passos até seu leito era rápidos, e o estalo do selinho em seus lábios me fez entender que a vida seguia.

Ainda que eu soubesse que ele não esperaria a vida toda eu me resolver, tinha me doído perceber que por mais que eu nunca tenha o tido, eu o havia perdido.

E esse sentimento, eu nunca tinha conhecido.

Além do Escuro: Série Irmãos Escobar - Livro 03 (DEGUSTAÇÃO)Opowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz