"Bom dia, Eros"

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JENNIE KIM

Tudo é sempre igual desde o dia em que você se foi. O dia de ontem é igual ao de hoje que será igual ao de amanhã, e assim se perpetua o meu ciclo de miséria e solidão.

Lavava as minhas mãos cheias de sangue na pia da cozinha. Olhava quase que hipnotizada o líquido gelado batendo em minhas mãos quentes, a água cristalina escorrendo no vermelho das minhas mãos levando toda a cor embora aos poucos.

Desde que você se foi tudo mudou, todos os dias eu sou atormentada por seres enfurecidos querendo uma parte de mim. Em primeiro lugar, os vampiros, sempre vinham até a horda de girassóis e tentavam de alguma maneira me emboscar, me matar e vingar a memória de todos os seus companheiros dos quais eu matei. Sempre sem sucesso, terminavam do mesmo jeito do que seus amigos: mortos.

Às vezes surgiam espíritos da natureza, eu acho que nem eles devem mais lembrar da catástrofe da chuva de sapos, sinceramente, Lisa, nem eu me lembro mais. Mas, eles vinham, com o mesmo propósito do que os vampiros insistentes, eles queriam me matar porque queriam vingança, e acabam mortos também. E esse ciclo interminável de ódio e vingança se eternizava, pois eles não conseguiam o que vinham sempre procurar: a minha morte.

A chuva caia do lado de fora, estava frio. Observava da janela da cozinha todos os pingos que debatiam sobre o vidro, eles chegavam solitários, mas logo se juntavam a outros respingos de água, até formar uma corrente em direção ao solo, se perdendo na sua breve vida para se tornar parte de um todo, para desaparecer com o contato com a terra.

Hoje é mais um dia sem você.

Fechei a bica da cozinha e olhei para o meu reflexo na janela. Me perdia assim como aqueles respingos, me afundava em contato com o meu interior até desaparecer completamente. Eu só queria que a porra de um milagre acontecesse, era só isso que eu precisava.

O meu corpo é uma carcaça vazia e solitária preenchida por ódio. Se arrancassem minha pele e limpassem a minha alma, ainda assim, encontrariam um demônio carregado de angústia e insanidade.

Hoje é mais um dia atordoado.

A verdade, Lisa, é que por mais que digam que eu enlouqueci, na minha existência fria e abandonada, eu sempre fui assim, e a única saída que eu encontrei para tentar diminuir a dor que foi perder você, foi me prender em um delírio eterno. Dessa forma, eu vejo você, eu sinto você, e mesmo que não passem de lembranças e devaneios lúcidos, significava, de alguma forma, que você ainda estava viva, que ainda estava ao meu lado.

Meus cabelos estavam mais longos do que nunca, batiam na altura até abaixo do meu quadril. Todas as noites mal dormidas me abençoaram com olheiras enormes e profundas, a minha pele estava pálida e frágil feito gesso fino. Eu cansei. Nem mesmo a minha imortalidade parecia querer me salvar.

Desviei o olhar do meu próprio reflexo e encarei minhas mãos limpas. Hoje de manhã, assim como quase todas as outras, eu matei, e isso tirava cada vez mais um pedaço da minha frágil humanidade. Era como se existisse mil toneladas sobre os meus ombros que tentavam a todo custo me impedir de continuar, e haviam dias que elas realmente conseguiam, que me deixavam apenas desistir, e eu desistia, eu cansei de desistir. Já nem sei quantas vezes tentaram me matar durante esses três anos, ou quantas vezes eu mesma tentei isso, mas algo, sempre, sempre me impedia de morrer. Talvez essa seja minha maldição, viver.

Hoje faz três anos sem você.

Eu sempre cacei por um culpado, eu sempre soube que isso tudo não poderia ser coincidência, havia tantas perguntas sem respostas na minha mente. Foram três anos me definhando em puro sofrimento, chorando todas as noites sozinha abraçada ao meu próprio corpo, fomentando um ódio que crescia cada vez mais, que me consumia e me tornou o que eu sou hoje.

Chuva de sapos & Biscoitos amanteigadosWhere stories live. Discover now