CAPÍTULO 1: ACORDOS

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I

James sonha com o som do mar contra as pedras e um campo de centáureas azuis.

A primeira coisa que ele vê é o prado se movendo de acordo com o vento como as ondas se formam no mar. As flores dançam igual aos seus fios de cabelo voam para longe do rosto, a brisa trazendo o aroma familiar da maresia. É como se ele tivesse acabado de acordar, com seus joelhos contra o solo e o cheiro de terra molhada se mistura com o salgado. Não é um clima desconhecido mas o lugar com certeza é.

O bater violento do mar chama a sua atenção. James parece estar ciente somente agora de suas próprias pernas ao se por de pé, seus olhos vagando confusos ao olhar ao redor. Ele não sabe onde está as pedras que as ondas batem, o som sendo a única coisa que realmente conseguiria guia-lo no meio daquele campo desconhecido. Não havia areia e nenhum sinal de praia que pudesse lhe dar alguma pista.

Ele teria ido atrás do mar se uma mulher de repente não tivesse surgido no meio das flores.

James espremeu os olhos, o vento ficando mais forte de repente. A mulher usava uma túnica vermelha com dois alfinetes de ouro em ambos os ombros, o cabelo ruivo denso como o vinho trançado em milhares de tranças que caiam como cascatas e o rosto familiar, tão familiar que apertava o coração. Ela parecia distraída, olhando por cima do ombro sem nem sequer o notar ali.

— Olá? — ele testou ao dar alguns passos, falando alto pois a combinação do vento com o mar estava barulhenta demais. — Consegues me ouvir?

Ela vira o rosto em sua direção. Os olhos dela parecem ter a mesma cor que jabuticabas, os lábios tão vermelhos quanto seu cabelo. James realmente não consegue se lembrar onde já a viu. O rosto dela é como uma escultura marmorizada, impassível.

— Quem é você? — ele tenta mais uma vez ao juntar as sobrancelhas, cada vez mais perto. — Sabes...Sabes que lugar é este?

A mulher o avalia dos pés a cabeça. Ele está descalço e os cadarços de sua camisa estão desamarrados. Não é como se ele não estivesse acostumado com olhares, ainda mais aqueles que sempre vasculham cada pedaço dele em busca de um erro. Mas ela não parece preocupada com vestes ou com postura ou com mãos limpas.

Seus pés parecem afundar na terra úmida. Ele para por um momento quando as flores parecem ficar mais altas, quase se enrolando em suas pernas.

— É bom ver você de novo — a mulher diz e sua voz parece ressoar por todo o campo. — Ainda tens medo de chuva?

De novo? Quem é você? — James indaga mais uma vez. Um pingo de água cai do céu e se choca nas costas de sua mão. A mulher o olha como quem não irá responder sua pergunta. Ele resolve responder a dela, então: — Não tenho medo de chuva, só quando era menino-

— E de tempestades, tens medo de tempestades?

O estrondo dos céus é mais alto que o do mar, das flores farfalhando. Ele ergue a cabeça para imensidão cinzenta de nuvens cada vez mais escuras. Um arrepio, quase como um calafrio, atinge o corpo todo ao som da trovoada. Seus olhos voltam para ela, confuso com tudo aquilo, o pânico querendo sair pelas rachaduras. Não era possível que o clima tenha mudado tão abruptamente.

— Não aprecio tempestades — James responde, o vento fazendo sua camisa fina se mexer. — Mas elas não são nada mais do que chuvas raivosas. Uma hora irão embora.

— O problema é quanto tempo ela demorará para ir — ela diz, olhando para cima como se soubesse de algo que ele nunca iria saber. — Há longas tempestades vindo para ti, meu garoto. Tens de estar preparado.

TREACHEROUS HEART, starchaser. Where stories live. Discover now