Capítulo 1 - Colapso emotivo

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Em alguma área da América geral, ano 2179.

O sistema de Neon era eficaz, sem erros ou falhas. Ou, pelo menos, era para ser. Do nascimento à morte, Neon era o futuro. Os novos humanos eram feitos no grande prédio; uma construção revestida de vidro preto, onde a cada ciclo cem pessoas saíam. Gerados em tanques de líquido viscoso, eram liberados com treze anos para a rotina e vida básica. A escola consistia em recarga diária no cérebro, através do dispositivo implantado na nuca que também servia como inibidor de emoções. Algo fácil, já que não eram estimulados. Todos igualmente apáticos. A vida do humano número 084, do lote 204, foi assim por trinta e três anos. Até aquele dia, quando acordou num sobressalto como se caísse de um penhasco.

O robô diante da porta do mercado escaneou o número bordado no macacão cinza e liberou a entrada, expelindo uma ficha como uma máquina de chicletes. Era permitida a entrada de apenas dez pessoas por vez, e elas saíam com cestos contendo o básico semanal: gelatinas de nutrientes, cubos de açúcar, água e sachês de carboidrato em gel.

084 parou subitamente no grande corredor de prateleiras de ferro. Estremeceu. Um leve choque rodeou o dispositivo implantado, percorreu-lhe os nervos e ligações cerebrais abaixo dos volumosos cachos castanhos. Algo comum para ele, um espécime que ocasionalmente apresentava sutis falhas, as quais eram reparadas num laboratório do grande prédio.

Atenção, entrada de humano sem identificação de loteamento.

O alto-falante geral soou no grande galpão, e foi ignorado por 084. O humano continuou a atividade, pegou algumas latas de água e jogou no cesto de metal. Outro choque, ele parou novamente. Uma mulher negra com cabelos de inúmeras tranças roxas chegou ao lado dele e prendeu um pequeno dispositivo em uma das latas diante dos olhos dele.

— Está desperto — disse ela, sem voltar o olhar para ele. O dispositivo piscava em uma constante luz vermelha.

— Não é dos loteamentos e nem dos soldados de Neon — analisou 084, ao virar o rosto na direção dela e reparar nas roupas da desconhecida; não era o costumeiro macacão cinza ou laranja, nem as roupas pretas de fibras metálicas dos funcionários do grande prédio. Apenas tecido, calça jeans preta e blusa azul-escuro sem mangas. No braço dela, haviam códigos prateados desconhecidos do sistema atual. — Como conseguiu entrar no distrito? Como veio de fora dele? Não há vida fora do grande muro.

Ela deu um passo para trás e esboçou um sutil sorriso, curvando o canto dos lábios com batom preto em um ar conspiratório.

— Descobrirá com o susto — respondeu ela, e retirou do cinto marrom que usava preso ao quadril um outro dispositivo redondo onde havia apenas um botão vermelho. — O seu primeiro impulso cognitivo forte.

Apertou o botão. A lata de água explodiu com um ruído escandaloso, lançando a tampa no teto da prateleira e derrubando os outros recipientes em efeito dominó.

084 deu um pulo curto, o coração acelerou e o inibidor na nuca ativou com força total. Ele sentiu os dedos fecharem com o choque e perdeu o controle do próprio corpo, soltando o cesto no chão encerado. Não demorou para que ele também caísse, com o cérebro parecendo que teria o mesmo destino que a lata. O corpo de quase dois metros de altura se encolheu em posição fetal, na busca de amenizar a dor. Ele gritou, era muita coisa de uma vez.

— Aguente, humano — disse a mulher, enquanto a visão dele se tornava cada vez mais turva. — Você acaba de nascer para o mundo real.

 — Você acaba de nascer para o mundo real

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A era de NeonWhere stories live. Discover now