Capítulo 4: Uma carona em uma van amarela

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Dois ônibus passaram, mas com destinos diferentes do que eu precisava. Mesmo tentando me manter calma, não podia evitar de olhar para o relógio a cada dez segundos. Os ponteiros rápidos me traziam um recado claro: o tempo está passando, e você precisa embarcar naquele trem.

Enquanto minhas pernas tremiam nervosamente, lembrei da minha mãe. Ela odiava quando eu ficava ansiosa e balançava os pés. ''Não convém a uma moça demonstrar nervosismo desse jeito. É deselegante". Podia ouvir ela dizer, com sua postura sempre ereta.

Talvez eu não quisesse mesmo ser elegante.

Com treze anos eu tive minha grande primeira briga com Martha. Era um dia de festa na minha escola, e precisamente às 4 p.m ela chegou para buscar a mim e ao meu irmão. Eu estava radiante, pois havíamos brincado com tintas e desenhos durante toda a tarde, e minhas mãos ainda traziam tons de amarelo e azul de um grande sol que desenhei, ao lado das minhas amigas.

Ela não perguntou como foi o dia, nem se eu havia me divertido. Apenas olhou, com uma expressão de desgosto para as minhas mãos, e disse:

- Você não lavou suas mãos direito, Alice? O que eu te ensinei sobre isso? Uma moça nunca deve andar com as mãos sujas.

- Não estão sujas, mamãe. É tinta! Eu e a Audrey nos divertimos tanto desenhando... - Comecei a contar, satisfeita.

Ela me interrompeu.

- Você já tem 13 anos, não tem mais idade para brincar dessa forma. Deveria ficar comportada, como a filha dos White, ou como Sandra, neta da família Erikson. - Martha não olhava nos meus olhos. Apenas para os meus dedos pintados.

Eu não podia acreditar. Marina White, filha de Douglas White, político da nossa cidade, parecia uma menina legal. Mas ela estava sempre tão assustada e acanhada, que nem tinha tempo para fazer amigos. Ficava sempre no canto da sala, com as roupas perfeitamente passadas, e uma expressão triste.

Eu gostava de Marina. Mas, definitivamente, não queria ser ela.

E foi assim que explodi. No meio da rua, em frente a escola, com todos os meus hormônios da adolescência colaborando para o espetáculo. Desabafei para todos ouvirem que não aguentava mais ser comparada com outras meninas.

Martha me puxou pelo braço e entrou no carro sem dizer uma palavra. Dirigiu em silêncio até estacionarmos na garagem da nossa casa. Depois, sem perder sua postura perfeita, me puxou escadas acima até o meu quarto e trancou a porta.

Passei dois meses saindo de casa apenas para ir a escola, quase como uma criminosa.

Mas, aprendi a lição: na frente de Martha eu não podia ser Alice. Precisava ser Marina, Sandra, ou qualquer outra menina que cumprisse perfeitamente todas as normas de comportamento impostas pela alta sociedade americana.

Por isso, naquele ponto de ônibus, sem minha mãe por perto, me permiti balançar as pernas como o meu corpo queria. Ignorei a saia amassada do meu vestido, e não me importei com meus ombros caídos. Era um alívio ser eu.

Estava imersa em pensamentos quando o barulho de pneus freando bruscamente me trouxe de volta a realidade. Dei um pulo na cadeira, o coração disparado com o susto. Por uma fração de segundos, pensei que havia sido pega em flagrante pelos meus pais furiosos mas, a minha frente, uma van amarela brilhava com o reflexo do sol.

Não demorou muito para um rosto sorridente aparecer na janela.

- Ei, linda, você não achou que ia escapar tãofácil assim, né? - Não era o meu pai furioso, muito menos minha mãe nervosa. Era apenas Joe, com seu sorriso torto e uma mecha de cabelo rebelde caindo sobre a testa.

Próxima parada, Liberdade!Where stories live. Discover now