Sexto capítulo: Baque surdo.

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O sol incomoda, e Otávio não está mais ao meu lado. Levanto da cama e ando até as escadas, ouvindo um crepitar e em seguida um baque surdo.
—Vai ter que compensar, irmão, não sabe onde se meteu.
Olho pela janela e vejo Miguelito, fumando encostado em um onix preto. Ao entender o que está acontecendo, corro até o quarto, revirando tudo atrás da glock 9mm, finalmente encontrando-a, prendo meu cabelo em um rabo de cavalo, visto a camisa de Otávio, que está em cima da cama, e desço as escadas. Ao me ver, Miguelito entra na casa.
—Ora ora, temos companhia, rapazes. É a putinha que não gosta de ser comida! Que péssimo serviço, precisei vir cobrar.  —Empunho a Glock, apontando para Miguelito.
—Saia daqui, nos deixe em paz, você já tem sua mercadoria. —Falo, com lágrimas nos olhos.
—Ah mas o que é isso, acabei de chegar, meu rapazes ainda nem se divertiram, nem estão armados, deixe disso. Nos sirva algo! O serviço que você não fez serve. —Ele fala se aproximando de mim.
—Atira, Bela! —Otávio fala, com esforço devido ao rosto muito machucado.
Miguelito acelera o passo, não tenho mais tempo para pensar e atiro, de olhos fechados. Os capangas batem mais forte em Otávio, e eu ameaço atirar nos dois, que correm com Miguelito nos braços para o carro. Tranco a porta e corro até Otávio, tomando-o nos braços.
—ch...ch...—Ele tenta falar, sem sucesso.
—chamar? Você quer que eu chame uma ambulância? —Ele balança a cabeça negativamente.
—O médico, Eduardo Caroccini, meu irmão. —Ele fala com dificuldade, me dando o celular, ligo para Eduardo, que diz que está a caminho. 
—Ele está vindo.
—Me ajude a levantar.
—É melhor que não se mexa, pode ter quebrado algo, eu fico aqui com você.
—Isabela, eu não quero ficar aqui, me ajude a levantar, estou bem. —Preocupada, apoio Otávio nos meus ombros até o sofá, ele põe as mãos na cabeça e uma expressão de dor toma conta de seu corpo. O lábio inferior estourado, sangra, e o ferimento no rosto deixará cicatriz, a sobrancelha foi cortada profundamente e provavelmente precisará de pontos. Os punhos estão machucados, e a região das costelas completamente roxas.
—Onde tem um kit de primeiros socorros por aqui, Otávio?
—Não tem. Quando algo assim acontece, meu irmão resolve.
—E se ele não estiver no Rio de Janeiro? Você está louco? Precisa ter um kit de primeiros socorros em casa.
—Você fica uma gracinha brava. —Ele ri, com o rosto todo estourado e ensanguentado, entre uma dor e outra. —Inclusive...—Ele ofega. —Você está linda com a minha camisa, e atirou muito bem.
—Para de falar, você vai sentir mais dor. —Falo, preocupada.
Ouço batidas na porta e corro para atender. Eduardo entra e abre a maleta em cima do sofá. Em seguida olha para mim.
—Quem é a moça? —Ele pergunta.
—Minha namorada. —Otávio responde, ofegante, e eu estremeço da cabeça aos pés com a palavra. Eduardo levanta uma das sobrancelhas e dá de ombros. Limpando com gaze e álcool iodado o supercílio aberto e a boca.
—Vou ter que suturar. É melhor deitar na mesa. —Corro para ajudar, apoiando Otávio nos meus ombros. E deitando-o na mesa.
—Precisa de algo, Eduardo? —Pergunto, preocupada.
—Água. Não para beber, mas para limpeza, em um recipiente grande. —Pego então um refratário, e levo. Ao chegar, Eduardo pede que Otávio lave o rosto, e em seguida sutura os machucados e examina as costelas.
—Não quebrou nada. Você só precisa de repouso. Bom, agora estou indo, foi um prazer te conhecer. Seu nome?
—Isabela. Prazer, Eduardo.
—Cuide do nosso garotão, tenham um bom dia.
Otávio começa então a levantar-se da mesa.
—Ei, vem, te ajudo, precisa ficar na cama até melhorar. —Ele solta uma gargalhada. —Cama? Mulher, nós vamos embora do Brasil em alguns minutos. No carro estão suas malas, se vista, estamos indo para o aeroporto logo.
Após algum tempo, entro no carro, e Otávio fica do lado de fora, analisando o carro, o que me desperta curiosidade. Então coloco a cabeça para fora para ver melhor.
—O que está fazendo, Otávio?
—Aqueles filhos da puta tinham canivetes, só estou checando se não cortaram os freios ou rasgaram os pneus. Mas aparentemente está tudo nos conformes.
Otávio entra no carro e seguimos caminho.
—Você está pronta para isso?
—Estou. —Falo seriamente, tentando engolir o medo na voz.
Ao chegarmos ao aeroporto, notamos mais de dez carros da polícia federal, provavelmente por saber que sairíamos do Brasil, Otávio começa a suar frio.
—O que nós vamos fazer?—Pergunto, apavorada.
—Vamos mudar o plano. —Ele diz, fazendo um retorno brusco. —Meu plano era te deixar para trás para que eles tivessem com o que se ocupar. Você voltaria em segurança para sua casa e eu estaria em paz longe daqui, mas não dá, beleza? Não dá! Nós vamos para o Chile, e vamos começar uma vida nova lá. Depois nós vemos um trabalho para você. —Meus sentimentos entram em confusão ao ouvir isso, não sei se deveria ficar triste pelo fato do seu primeiro plano ser me deixar para morrer, ou feliz e segura por ter desistido dele ao criar algum laço comigo.
—Não é hora para DR Isabela, estamos no meio de uma fuga, caso não tenha percebido. —Ele fala, enquanto olha para o retrovisor. —Teu pai é um verdadeiro cuzão, não merece te ver novamente.
—Não era isso que você pensava até ontem, não é mesmo?! —debocho e ligo o rádio.

A noite caiu e ainda nem chegamos na fronteira, Otávio está visivelmente cansado e com dor, devido o baque nas costelas e estar na mesma posição à horas.
—Deixa que eu dirijo agora! Deita no banco de trás para descansar.
—Sabe o caminho? —Ele pergunta, sem tirar os olhos da estrada.
—Felizmente já temos GPS, tenho como me guiar sozinha.
Ele diminui a velocidade, parando no acostamento. Ambos tiramos os cintos e saímos do carro.
—Vou mijar. —Ele avisa, indo para a traseira do carro. Enquanto eu tomo o volante, esperando até que Otávio entre no carro. Após alguns minutos de demora, olho pelo retrovisor e não o vejo. Preocupada, desço do carro.
—Calma, já estou indo. —Ele responde, lavando o rosto com uma garrafa de água, agachado. Um alívio imenso toma conta de mim. Entramos no carro e seguimos viagem.

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