Mon Danseur (Meu Bailarino)

Capítulo Dois

Lucas estava com Júlia e seu amigo Felipe, naquele quarto de hospital, tentando o máximo entretê-los. Ele gostava de arrancar sorrisos e risadas deles e sentia que precisava fazer isso mais do que nunca. Era apenas mais um treino de balé, porém, graças a uma garrafa de água mal-lacrada, Júlia ia ficar muito tempo sem dançar e perderia a oportunidade de fazer o teste para Odette do Lago dos Cisnes, que ela queria tanto. Ela estava tentando ser protagonista há muito tempo e tudo foi arruinado quando Paula conseguiu o papel de Clara no Quebra-Nozes, espetáculo do ano anterior. Lucas iria fazer uma piada sobre música, porém, Júlia segurou seu ombro com os dedos finos de sua mão e virou os olhos castanhos para ele.

- Lucas, consiga um destaque no espetáculo. Só isso que eu te peço. - Ela disse, com os olhos vidrados nos de Lucas.

- Olha... eu posso conversar com a Anny e tal... - Lucas responde, mesmo sabendo que não tinha a mínima intenção de pedir destaque.

- Faça isso pelo telefone, na minha frente. - Júlia cruza os braços. - Vai, Lulu, vai.

Lucas percebe que não tem para onde fugir e pega o celular. Ele começa a dividir sua atenção entre a tela, teclado e Júlia. Como uma pessoa que acabou de quebrar um espelho com a perna podia estar tão firme em um momento desses?! Era humanamente impossível um negócio desses, mulheres são realmente surpreendentes. Ele apertou o contato de Anny e levou o aparelho à orelha, torcendo imensamente para ela não atender.

Ela atendeu.

Lucas abriu um sorriso amarelo e começou a falar com Anny ao telefone:

***

Lucas: Ooooi, melhor instrutora da face dessa Terra!

Annyzita: O que tu quer, Chae? Eu não vou te dar uma sapatilha da Barbie e as Princesas Bailarinas, já disse!

Lucas: Não é nada disso, A! É que... Esse ano vamos encenar O Lago dos Cisnes, não é?

Annyzita: Não, acabamos de fazer uma mudança?

Lucas: Que, como assim, mudança?!

Annyzita: Acabei de sair de uma reunião com a Dona Karla. Queríamos a Júlia de Odette, mas depois desse acidente, mudamos completamente de ideia, porque a Paula vai se aproveitar disso e tentar pegar a protagonista. De novo.

Lucas: Então... qual vai ser o espetáculo agora?

Annyzita: Te conto outro dia, tchau, Lucas, estou ocupada.

Lucas: Não, Anny!

***

Anny havia finalizado a ligação e Lucas olhou para o telefone com cara de tacho e humilhado. Júlia o encarou, curiosa para saber o que se passou. Ele guardou o celular no bolso, se encostou na parede e suspirou:

- Não vai ser mais Lago dos Cisnes.

- Que?! Mas... mas... - Júlia diz.

- Fica tranquila, Juju. Deve ter sido porque eles queriam você para Odette, mas aí tu se acidentou. Não teria mais ninguém a sua altura e elas não queriam a Paula de novo como protagonista. O ano passado foi um pesadelo.

Paula era outra das bailarinas da academia de dança onde Lucas, Felipe e Júlia frequentavam. Era uma garota cruel e egoísta, que sabotava os testes das outras garotas na cara dura para conseguir solos nas apresentações. Ela também enchia o saco de todos os garotos com comentários ridiculamente idiotas. Era uma grande pick-me girl. O pobre Lucas era o alvo favorito dela e ele sofria. O sangue de Júlia fervia só de ouvir o nome de Paula, afinal, ela tinha seus motivos. No ano anterior, ela estava se preparando para sua audição para fazer Clara, no Quebra-Nozes, mas quando chegou, já haviam terminado. Paula havia mandado o horário errado de propósito.

- Eu odeio aquela lagartixa manca com cabelo de shitzu! - Júlia disse.

- O que ela tem de insuportável tem de desonesta. - Felipe fala. - E é MUITA coisa.

- Podemos falar da Paula o tanto que quisermos, mas estamos aqui nesse consultório há meia-hora. Vou ver o que aquela médica está fazendo e o porquê da demora se não tem absolutamente ninguém aqui e é um hospital particular. - Lucas se desencostou da parede e se moveu até a porta. - Me esperem, volto já.

Ele sai do consultório e vai até a recepção perguntar sobre a médica que estava atendendo Júlia há minutos antes, porém nem precisou pedir informação, pois a mesma estava sentada em uma das cadeiras e tomando café em um copinho descartável. Lucas vai até ela com uma feição levemente brava.

- Ei, doutora! E o quarto para a minha amiga? - Ele disse.

Sophia estava muito focada em seu café.

- Doutora, tem uma mancha de café no seu jaleco onde está o nome da senhora bordado, não consigo ler. - Ele completa.

Isso tirou a atenção de Sophia do café. Ela olhou para baixo e viu uma enorme mancha de café bem em cima de seu nome. Desnecessário comentar que ela teve um surto. Lucas tentou apaziguar a situação enquanto pensava em algo útil.

- Coloca bicarbonato quando chegar em casa... água sanitária vai manchar o jaleco... - Lucas falou.

- Que...? Funciona? - Sophia pergunta.

- Eu uso quase sempre. Funciona que é uma beleza. Achei que todo mundo usava.

- Eu raramente sujo uma roupa, então nunca precisei saber.

- Legal. Agora o quarto da minha amiga, por favorzinho. Ela está desconfortável naquele consultório.

Sophia parou para pensar em um instante e lembrou de tudo que tinha que fazer. Saiu correndo como uma bala para o consultório e avisou que resolveria o problema do quarto em "dois palitos", - gíria muito antiga, por sinal - correndo para avisar a Dra. Luiza sobre isso. Em poucos instantes, Júlia estava acomodada em uma maca e assistindo televisão em um quarto espaçoso e arejado. Era lindão.

Enquanto Lucas fazia companhia para Júlia, ele escutava Bohemian Rapsody do Queen e fazia parte de seu trabalho da faculdade. Ele estava treinando ponta ao som do ritmo da ópera na música do Queen e precisava decorar o tempo enquanto fazia anotações sobre pessoas aleatórias que passavam na rua para seu trabalho da facul de psicologia. Ele estava ali basicamente de enfeite. Sabendo disso, Júlia fez questão de dispensá-lo.

- Vai para a academia, Lucas. Você fica menos agoniado quando dança e depois você tem aula. Melhor você agilizar sua vida. - Disse ela.

- Mas quem vai ficar com você? - Ele pergunta, tirando os fones de ouvido.

- Eu ainda estou aqui, cabeção! - Felipe fala e dá uma peteleco em sua testa.

- Continuo sem confiar. - Lucas fala.

- Eu tô mandando, Chae Nakyum. Marcha! - Júlia disse, firme e apontando para a porta.

- Você que manda, chefa! - Ele levanta e sai.

Lucas suspirou e viu que agora teria mesmo de ir embora. Ele tinha um trabalho para fazer na casa de uma colega em vez de aula, então ele tinha mais tempo para treinar. Colocando os fones de ouvido novamente, ele começou a escutar Out of Time enquanto marchava pela rua até a academia.

A Academia que era parte de seu coração.

A Academia Madam Clarice de Mountvidelle.