_ Méhtēr, você poderia me contar a nossa história?
_ Mas justo agora, Duhghtér?
_ Exatamente, o agora é sempre o melhor momento.
A mãe e a filha estavam sentadas, cada uma sobre uma rocha, em uma praia isolada localizada há pouca distância da casa delas em Omoa, uma pequena aldeia localizada a sudoeste de Fatu Hiva, a mais meridional das ilhas Marquesas que eram habitadas e certamente o assentamento mais distante de uma grande cidade que existe nesse mundo.
_ Por onde quer que eu comece?
_ Comece pelos fundamentos.
_ Os fundamentos são a Geometria; nela está tudo o que é, foi ou será. Fora da Geometria nada pode sequer sem pensado, quanto mais ser concebido e existir.
_ Então me explique a Geometria.
_ Então, tudo começa com a Informação, que podemos chamar de "o ponto", que é apenas isso mesmo, um ponto. É a dimensão zero. Se você estender infinitamente esse ponto, o que temos é a linha, um comprimento, a primeira dimensão. Agora, estenda essa linha infinitamente em outro sentido e teremos a largura, a qual junto com o comprimento forma uma superfície, um plano, o que é a segunda dimensão que é como se fosse uma fotografia. Estenda infinitamente essa fotografia e você terá a profundidade, ou seja um objeto, que é a terceira dimensão. Agora, se você estende infinitamente essa dimensão nós teremos movimento, qual seja, o tempo. É a quarta dimensão. Até aí tudo bem?
_ Eu já tenho 108 anos, Méhtēr; sou capaz de entender essas coisas. Continue, por favor.
_ Então, compreenda que o tempo só é possível em uma direção. Os humanos, por exemplo, são seres tridimensionais que vivem em um mundo quadridimensional. Nós estamos uma dimensão acima: somos seres de quatro dimensões que existem em um mundo de cinco dimensões.
_ E o que é a quinta dimensão?
_ Basicamente o mesmo conceito da quarta, só que podendo mudar de sentido, sendo capazes de ir para frente e para trás, se quisermos.
_ Uau, então a gente pode modificar o nosso passado e o nosso futuro?
_ Não, não podemos, pois temos acesso, mas não o poder de modificar os objetos. Seria como você pudesse ver toda uma casa, mas sem nunca tirar qualquer coisa do lugar. Fazer isso equivale a estar na sexta dimensão, a qual te dá acesso a tudo o que estiver na quinta dimensão e a possibilidade de modificar tudo o que estiver na quarta dimensão, ou seja, no tempo.
_ Compreendi. Mas e a sétima dimensão?
_ Veja vem, na sétima aplica-se o mesmo princípio, poderíamos ver toda a sexta dimensão e modificar toda a quinta. Na prática é como se você pudesse ver todas as realidades possíveis, como uma na qual os indígenas tivessem ganho a guerra ou que os dinossauros não-aviários não tivessem sido extintos. Seria como se você tivesse acesso ao multiverso, entendeu?
_ Sim, entendi. Então na oitava dimensão teríamos infinitos multiversos?
_ Basicamente, sim. Seria isso. E na nona dimensão, como você deve ter imaginado você não apenas poderia ver todos os multiversos possíveis, como interagir com eles, modificando-os.
_ E a décima dimensão? Tipo, nela nada seria impossível ou inimaginável e tudo poderia acontecer?
_Exatamente isso! Mas veja, tudo isso necessitaria de uma arquitetura, portanto, se fundaria na décima primeira dimensão.
_Mas espere, se há uma arquitetura, deve haver uma arquiteta, uma arquitetação, uma Geômetra...
-Sim, a décima segunda dimensão é o mais próximo que podemos chegar de compreender Aquela que É, Hèsmí, a Deusa que é o Fundamento, a Origem e a Explicação de tudo. É dela que vem o mana ou o maná, sempre conforme Ela desejar.
Duhghtér prestava bastante atenção na mãe dela e em tudo que ela dizia pois, afinal de contas, como JD McClatchy observou, "o amor é a qualidade da atenção que prestamos às coisas". Na verdade, como bem disse Ortega Y Gasset, haveria situações em que, sem saber, o ser humano confessava grandes porções de sua verdadeira natureza, e uma dessas situações seria o amor. Por quê? Na medida em que ao escolher amantes, os seres humanos revelariam sua natureza essencial. Assim, o tipo de ser humano que preferimos revelaria os contornos do nosso coração, pois o amor é um impulso que brota das profundezas mais profundas de nosso ser, e ao atingir a superfície visível da vida, traz consigo um aluvião de conchas e algas marinhas do abismo interior. Vendo com atenção seria possível reconstruir as profundezas oceânicas das quais esses sinais teriam sido arrancados.
_ Continue por favor, Méhtēr.
_ Então, chegamos até aqui penso que compreendemos, dentro das limitações da ciência, as dimensões do universo e podemos falar de informação, da qual tudo é feito e que pode tanto nos ajudar a entender nosso universo como um holograma, como a vislumbrar como o Verbo opera.
_ Como assim?
_ Um terceiro fundamento do nosso universo é a matéria/energia. Qual o seu menor nível? Como arké e como átomo no sentido democritano, na origem de tudo e como parte de tudo, parecem existir os fragmentos de energia. Não podemos nos esquecer das forças que regem o nosso universo, a começar pelas quatro fundamentais. entenda também que neste universo, e isso ajuda a dar algum crédito para a teoria do universo holográfico, a posição (spin) é uma informação muito relevante e ajuda a explicar a diferença entre bósons e férmions, questão as partículas de tudo que existe.
_ Até aqui tudo bem.
_ Mas talvez - Méhtēr - continua, o mais interessante disso tudo não seja saber que a posição influencia os componentes elementares de todas as partículas, mas o fato de que cada partícula do universo está entrelaçada com outra partícula igual. Nesse sentido, entender que o Universo pode ser basicamente um grande holograma no qual a informação é o princípio de tudo, e que pode estar sendo produzida em dimensões que a gente nem sonha, de modo que ao contrário do que muitos humanos creem, acreditar em Deus não seja algo estúpido, muito pelo contrário.
_ O que eu não compreendo é em como fazer esse link entre crença e compreensão...
_ Vou te explicar ao mesmo tempo em que termino minha explicação. Veja bem: todos os átomos são compostos por prótons, núcleos e elétrons, que por sua vez são feitos de hádrons, ok? Mas mesmo estes podem ser reduzidos a mésons, férmions, quarks, nêutrons, fótons, glúons...
_ Mas e isso? Há algo do qual tudo isso seja feito, ao qual tudo isso possa ser reduzido?
_ Você pergunta sobre o que, em última instância, comporia a matéria? Então lembra do ponto, da informação mais simples da Dimensão Zero? Imagine que a energia sempre "flui" através das regiões do espaço e do tempo e pense nela como composta de linhas que preenchem uma região do espaço e do tempo, fluindo para dentro e para fora dessa região, nunca começando, nunca terminando e nunca se cruzando. Você consegue?
_ Com alguma dificuldade, mas consigo.
_ Então, se trabalharmos seguindo a ideia de infinitos multiversos, onde em cada um há linhas de energia fluidas quase infinitas, supra dimensionais, podemos procurar um único bloco de construção para a energia fluida. Esse bloco tem que ter características da partícula e da onda – concentrada como a partícula, mas também espalhada no espaço e no tempo como a onda, e com uma concentração de energia, como numa estrela.
_ Entendi, neste bloco a energia seria mais alta no centro, como numa partícula, mas ficaria menor mais longe do centro, de modo que, mesmo ínfimo, ele não seria uniforme e por isso pudesse mudar de característica apenas criando mais espaço e se tornando menos denso como uma onda ou retraindo o espaço - do mesmo jeito que a gravidade - e assumindo características de partícula?
_ Exatamente, Duhghtér, minha princesa. Esse fragmento de energia compõe o tudo, toda a soma daquilo que existe, existiu e existirá; a natureza primeira e última da Criação e é, pois o ponto da dimensão zero do qual tudo é feito.
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A Grande História
General FictionO Ser, que é a Mãe, fala com aquela que foi criada, que é a Filha, sobre todos os mistérios que existem sobre as coisas: sua geometria, seu funcionamento, sua história, sua geografia e àquela a quem serve. É uma história de descobrimento, fé, espera...