[04] • ENFIM • [ BadBuddy | PatPran ] ):)

02 | Genius Loci

"Mas que porra é essa?" Foi a primeira ideia que gritou na mente e nos olhos de Pran ao se deparar com aqueles dois corpos cansados em seu corredor, mas nada saiu de sua boca. Ele tem quase certeza que gritou, ou que falou algo, nem que seja um murmúrio, mas pela expressão estatelada nos rostos em sua frente — assim como a no seu —, percebe que não.

Pran os encara e não reconhece se está confuso, feliz ou irritado. Escolhe "irritado", afinal, não pode acreditar nos próprios olhos. Desvia dos obstáculos — seu namorado e sua mãe, no caso —, enquanto pega seu violão, e com muita dificuldade em manter a estabilidade da mão, abre a porta.

— Entrem. — Um exagero de formalidade é marcante em seu tom e postura. Pat e Dissaya obedecem sem contestar.

Pran os observa adentrar seu apartamento, enquanto fecha a porta devagar tentando assimilar. Vê Pat apoiar as mochilas no seu pequeno sofá cinza e nota que parece ainda menor ao lado dele. Esse sofá sempre foi pequeno assim? A sua mãe coloca a bolsa, mochila e Nong Nao sobre sua mesa redonda com tampo de vidro transparente — que deixa visível a esbelta base amadeirada —, espalhando as coisas, ocupando o ambiente com familiaridade, até que quase não se é mais possível enxergar por através de sua superfície. A casa está bagunçada e ele está feliz? Perdido? Rancoroso, talvez. Não sabe. A assimetria, enfim. Respira fundo, fechando os olhos por alguns segundos e percebe que está, definitivamente — não sabe ainda. Recorda como se sentiu minutos atrás no corredor: feliz, confuso ou irritado. Agora, escolhe "confuso", assim como seus novos acompanhantes de apartamento, enquanto se entrega na vertigem de um dejavú, revivendo as mesmas emoções de quando recebeu o anúncio do atraso da obra/promoção. Estarrecido. Abismado. Desistente. Mas, grato.

Pran vai até a geladeira, pega um vaso de água com a energia de quem acabou de acordar, mas é o mais rápido que ele consegue o fazer. Coloca seu copo sobre a bancada, e suas sobrancelhas se erguem como num estalo de memória. Um copo é insuficiente agora, pensa enquanto passeia seu olhar por Pat e sua mãe, e por seu sofá e sua mesa, e a bancada de sua cozinha que parece tão mais branca e vazia sem pertences dos dois — que ainda permaneciam paralisados em lados opostos de sua sala. Se vira para o armário e pega mais dois copos. Enche cada um deles sem dizer palavra alguma. A água acaba. Foi insuficiente para três pessoas, merda. Pran volta à geladeira, se virando de costas para eles pela terceira vez em menos de dois minutos para pegar mais um jarro. E pensar.

— Pran...?

(Sugestão de música: Your turn | Silver Maple)

A voz de Pat reverbera lenta em seu apartamento e sua mão vacila, quase derrubando o vaso. Então, eu não enlouqueci, Pat está realmente aqui. Pensa, e repara que ainda segura sua bolsa e a capa do blazer. Ensaia o que vai fazer a seguir, enquanto bebe três goles de água de um dos copos cheios até a boca e, determinado, vai até o quarto.

Ele se arruma, sem ao menos tomar banho — só passa uma água no rosto e por alguns minutos, deixa ela correr pela torneira. Pran detesta desperdício, mas de que importa qualquer coisa agora? Pensa que eles acabaram de chegar mas, é como se fossem a alma perdida que Pran jamais encontrou naquele lugar. 

— Genius Loci.

Sussurra olhando sua mão molhar na pia. Gênio do lugar — genius loci — é um termo latino que se refere ao "espírito do lugar".  Ele lembra que apresentou um seminário sobre isso no segundo ano da faculdade, mas que nunca fez tanto sentido para ele quanto agora, com o que sentiu ao ver Pat e Dissaya naquela sala. Era um espaço ordenado e que sempre foi de bom senso para ele, mas que nunca o sentiu. E parece tão mais casa com eles ali. Mais do que no último ano que se passou. Nem as fotos na estante ou os objetos de grande afeto que trouxe da casa dele com com Pat em Bangkok, deram tanta vida ao lugar como aquelas duas vidas. A casa é a mesma, a sala é a mesma, a cozinha é a mesma, mas tudo mudou completamente. E poderia ele, ser o mesmo de novo?