Capítulo 7 "O Carimbo de Gelo"

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Sabe quando você mergulha no fundo da piscina e olha pro alto? Através da superfície, vê apenas vultos distorcidos, fantasmagóricos, se deslocando de um lugar a outro. E você sabe que o barulho do outro lado é ensurdecedor, cheio de risos, vozes, gargalhadas, gritos, mas cá embaixo tudo permanece em silêncio. Como se fossem dois mundos muito distantes e diferentes um do outro, vistos através de uma vidraça embaçada.

Não foi mera sensação. Eu, realmente, fui parar na profundeza de uma piscina de águas agitadas, ciente de que, apesar de ser o único a se esconder lá embaixo, todos sabiam onde me encontrar. Sinto seus olhares sobre mim, imagino seus soluços, suas lágrimas incessantes, o murmúrio ininterrupto de suas indagações. Mas, acima de tudo isso, a voz da maestrina, tentando explicar o incompreensível, o bárbaro. O absurdo da vida.

E eu grito lá do fundo. E nenhum deles pode me ouvir. Mas é melhor assim, porque não quero que vejam a minha dor. Um monstro de olhos e boca ferozes, com presas afiadas dilacerando tudo. Por fora, não sei meu estado, minha aparência. Mas, por dentro, tudo destruído e ensanguentado.

Quando a maestrina termina, outros falam. Não sei quem nem o quê. O ensaio é cancelado, os músicos dispensados, só eu continuo no mesmo lugar como se tornado em estátua. Sinto o abraço dos meus colegas, conforme se aproximam para me consolar e buscar o consolo que não posso dar. Suas palavras passando ao longe de meu entendimento. Alguém senta perto de mim, depois outro e outro e outro e sei lá quantos, sem que me dê conta, de fato. Só da última pessoa, Jéssica, por causa do perfume suave que flertou com meu nariz como a reminiscência de um sonho muito bom.

Mas qual a importância de todos os sonhos bons antes desse dia? Jonathan está morto. Meu amigo não existe mais e, a partir de agora, não haverá um segundo sequer compartilhado entre nós dois.

Permaneço naquela cadeira por muitas horas, insensível ao frio do ar-condicionado que sempre me incomoda ao longo dos ensaios, me deixando ansioso para chegar a hora do intervalo e sentir o calor do sol acariciar minha pele. Acho que, nesse tempo de inércia e ausência, tentam me convencer a sair, mas, ensurdecido, é como se ninguém tivesse falado comigo. Então, me deixam em paz, embora sempre me vigiando, me guardando, receosos de... De quê? Não sei. Será que pensam que vou me matar? Não. Passar mal, desmaiar, talvez, quando o peso da realidade cair sobre mim igual concreto.

"Cadú? Está me ouvindo?"

É minha mãe. A única voz que escuto, lá do fundo de minha tristeza. Ela toca meu rosto, olho para ela como se saído de um transe ou um pesadelo.

"Vamos para casa, filho. Seu pai e eu viemos te buscar."

Ela me ajuda a levantar. Quando dou os primeiros passos, me lembro do violino, e esse já está no estojo. Provavelmente meu professor o retirou de minhas mãos sem que eu percebesse e me fez o favor de guardá-lo.

Cadeiras. Estantes. Porta. Elevador. Saída. Escadaria. Carro. Ruas. Avenidas. Casa. Quarto. Sou levado como pena soprada pelo vento. Sem sentir, sem perceber. Apenas seguindo o rumo regido pela vontade dos outros. A presença mais forte que percebo, mais forte até que a de minha mãe, é a do meu pai. Quando sento no banco de trás do seu Siena, tenho plena consciência da tensão que se eriça entre nós dois como gato, apesar de não nos encararmos, de não trocarmos uma só palavra.

Pelo canto dos olhos, percebo que ele, enquanto dirige, me observa através do retrovisor. Mas eu empenho toda a força de minha mente para manter a cabeça virada na direção da janela a meu lado, como se o mundo passando diante de minha visão apresentasse paisagem exuberante. Porque, juro por Deus, se eu visse naqueles olhos, se eu detectasse em sua expressão, qualquer sinal de alívio — meu amigo gay estava morto, então problema resolvido — eu pularia no pescoço dele! Eu juro! Estava pronto para defender o Jonathan a qualquer custo.

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