Sanbadou

Um jovem ginete perdido em si mesmo

Felipe já estava no distrito onde encontraria Roger antes que percebesse. O transporte instantâneo da raposa fátuo de Lucas era um recurso que ele pretendia explorar, infelizmente o ginete não teria essa oportunidade...
Como um bom distrito metronita, esse estava cercado com um muro gigantesco, afastado por algumas dezenas de metros do oceano, no muro havia duas entradas equivalentes, uma logo em frete à Felipe e outra na direção oposta no marco exato do lado contrário ambos com três vezes altura do muro. Mas o estranho daquele lugar era a nuvem de cinzas pairando sobre a cidade, algo preocupante quase tão assustador quanto a montanha que se via ao longe provavelmente sobre o mar.
Preocupado e ansioso Felipe pôs-se a apressar Lucas.
- Por que não nos transportou direto lá pra dentro?
- Não me diga que esqueceu da proteção mágica dos muros...- Disse Lucas.- Estamos falando de Metrón.
- Que seja. Assim que sairmos do distrito, você nos leva...
- Calma-lá meu caro, não estamos em missão alguma que você esteja liderando e eu com certeza não trabalho para você.- Disse Lucas tomando a frente para anunciar-se ao porteiro mostrando o emblema em seu peito.
- Qual o problema dele?- Perguntou Felipe aproximando-se de Karine.
- Qual é o seu problema?- Respondeu ela dando ênfase na palavra "seu".- Acha que é a única pessoa com problemas aqui? O cara é uma alma presa com outras 12 almas, ou até mais que isso. Você descobriu que odiava seu pai morto em vão, o pai dele é uma pessoa excelente e ele sequer pode cumprimentá-lo. Você ao menos tem pra quem voltar depois da missão e a única pessoa importante para mim foi sacrificada pra um ritual bizarro, sem ter a chance de descansar. Tá bom, sua situação é péssima e essa evacuação sentinela surgiu na pior hora mas ao contrário do que a Ilana fez parecer, nada dessa história é sobre você!
- A única pessoa importante, minha filha?- disse Douglas assim que o portão fora aberto, ele os aguardava.- Eu estou magoado, pela forma com que falou.- Afirmou ele. Há muito tempo Felipe não via tal pessoa, aquele homem loiro e barbudo, visivelmente acima dos quarenta era o tutor de Felipe e pai de Karine, fora responsável por levar Felipe para a Logen Cairo.
- Não é como se eu tivesse mais tempo com você do que com ele né pai.- Retrucou ela passando pelo portão.
- É sempre emocionante cada vez que vocês se encontram.- Disse Felipe olhando enquanto ela passava pelo pai desgovernadamente como se estivesse tentando atropelar alguém.
- Eu sei que no fundo ela me ama, mas ignorando meus problemas familiares e focando nos seus. Sei onde está seu menino.
- O Roger... então bora.- Respondeu Felipe entrando pelo portão quando foi parado por Douglas com um toque no ombro.
- Eu não disse que ele estava dentro do reino.
- Mas que porra é aquela?- Perguntou Felipe olhando para dentro do portão percebendo um inseto colossal morto bem no centro do distrito.
- Nem pergunte, apenas venha comigo precisamos contornar esse distrito no estilo ginete, seu garoto está na praia e vai ser menos trabalhoso contornar o distrito do que tentar passar pelo caos que está lá dentro.
Felipe apenas concordou e seguiu junto de Douglas em direção à praia, ele observou a calça larga e de tecido grosso, a bota de explorador e a camisa branca sem gola lembrando um uniforme simples, trazia até certo ar jovial ao homem, mas logo seu pensamento estalou com uma pergunta. Como Carol sabia sobre os sentinelas aguerridos? Ou qual motivo eles teriam para encontrá-lo apenas agora?
Coisas que ele poderia já saber se não fosse tão impulsivo, coisas das quais ele esqueceu por completo ao chegar à praia, ao ver o menino Roger, filho de Carol parado sobre a areia repleta de cinzas abraçando os próprios joelhos.
- E aí... como está o trabalho?- Disse Felipe.
- um inferno.- Respondeu Roger, sem ao menos olhar para ele, uma atitude enfurecida que fez Felipe ter a certeza de que esse menino era realmente um ginete, mesmo sem jamais tê-ló visto pessoalmente.- me fala, a vida é sempre essa merda ou é só na infância?
- Ainda vai piorar muito se quer saber.- Respondeu Felipe sentando-se ao lado dele.- Mas, olha... existem formas de fazer a vida valer. A verdade é que nunca será sobre ter facilidades ou conseguir logo o que você quer, é sobre o quanto você apanha e a vida tenta fazer tudo dar errado pra você, na verdade é sobre apanhar o tempo todo e se fortalecer... acho que chega um momento onde você acha que  nada mais te atinge, até que tudo desmorona de novo e você precisa tirar forças de onde não tem só pra se levantar e encontrar outra forma de cair. Cada uma dessas vezes pouquíssimas pessoas estarão lá para te levantar, talvez ninguém esteja. E o que você fará nesse momento além de chorar e se lamentar?
Roger então parou de olhar para o oceano e ficou seu olhar na cor clara dos olhos de Felipe, tentando imaginar por que ele estava falando daquela forma sem ao menos ter demonstrado afeto até aquele dia.
- Não foi retórico.- Continuou Felipe.- eu quero que me responda. O que você fará quando ninguém estiver ao lado para te erguer?
- Eu não sei, acho que tentar me erguer sozinho...
- Lembrar!- Afirmou o ginete.- Lembrar da pessoa para a qual você precisa voltar, não só como humano, mas como o ginete que eu sei que você é... você precisa lembrar de quem te dá força e isso se transformará no seu poder. Isso que é ser um sentinela.
Olhando ao horizonte Roger sentiu a necessidade de erguer-se, algo em seu interior queria gritar, mas poucas palavras sufocaram sua vontade pessoal quando disse "Tá legal, qual é a necessidade da Logen Cairo para me chamar depois de tanto tempo?"
- Você é engraçado...- Disse Felipe.- pouca gente sabe o que está acontecendo, mas em três anos nunca vi uma convocação como essa. Você tem muitos amigos né... acho que deveria se despedir antes de partirmos.
- Melhor não... se for possível partirmos agora mesmo, é melhor pra mim.
- Ok!- respondeu Felipe secamente.- vem comigo.
Ambos seguiram sobre a areia marcando o chão úmido quando Felipe notou os pés do menino estavam pretos como se estivessem queimados.
-Estava na areia fria para aliviar os pés ? Quer falar sobre isso?
- Não!
- Ok...- Replicou Felipe, mas sentiu que precisava continuar falando.- Passo longe de ser um pai pra você, também não sou exemplo a se seguir então... só escute alguém que tem muito do que se arrepender desde sempre. Só... não foge de quem você ama.
- Foi isso que falou para si mesmo quando largou minha mãe sozinha?
- É... foi.- Retrucou ainda.- olhei fundo nos olhos dela, aguentei alguns socos e dei a ela uma aliança, depois cumpri com a minha palavra, voltei pra ela. Mas não precisa seguir meu conselho se não quiser, honestamente não tô nem aí!
- Você é uma porcaria de pai sabia?
- Hunpf- Bufou Felipe.- Você me considera um pai? Então vai me obedecer e falar com os seus amigos gostando ou não.
- não foi isso que eu disse!
-Foi sim, sem falar que eu prometi pra Carol que te protegeria.
- Se esse for o caso, eu te livro da culpa. Pode me deixar em paz, eu minto pra ela dizendo que estou bem graças a você.
- Não é assim que a banda toca, vamos ! a gente ainda precisa descansar essa noite...
O caminho deles pela praia silenciou-se até o final quando encontraram com Douglas, esse estranhou o olhar agressivo e constante de Felipe de repente recuando ao olhar pra ele. A noite veio e passou e os ginetes junto de Lucas já estavam fora dos muros tentando afastar-se da vista popular. Eles estavam chateados por andar em meio aos murmúrios da cidade comentando sobre certo inseto gigante que surgira de dentro de um vulcão e desapareceu deixando um rastro de destruição e cinzas.
Mas Felipe, esse estava quase recebendo um prêmio pela quantidade de vezes que lembrava de algo e precisava adiar a partida. Os outros ginetes já perdiam a paciência com ele, porém em seguida uma garota loira de cabelos cacheados os encontrou.
- Então é isso Roger? Você foge de nós e desaparece na primeira oportunidade... - Disse ela.
- Vânia? Como caralhos você me achou aqui?
- Isso não é importante, como você tem coragem de largar todo mundo assim, nós teremos que responder como equipe pelo que você fez quanto tempo acha que descenderia disso? Não pode jogar uma bomba assim pra nós e desaparecer sem deixar rastro.
Roger então olhou para seu padrasto com desdém, o olhar sério de alguém que atravessaria o outro com uma faca se pudesse.
- Por que você fez isso? Eu falei que não queria me encontrar com ninguém! Porra!
- Olha a boca...- Disse Felipe.
- Ei, eu estou falando com você!- Berrou ela puxando o ombro de Roger fazendo-o se virar a força.- Seja lá pra onde estiver indo, você vai voltar aqui! Nós vamos ter uma longa conversa sobre disciplina, sobre lealdade e sobre palavra, eu não estou falando com um calouro da escola, você já é um mago e é melhor passar a agir como tal.
- Você não pode...- Disse ele em voz exaltada.- Apenas agradecer por que eu salvei esse distrito inteiro?- Berrou ainda.- Você sabe que não está aqui por que eu roubei os emblemas mas por que a gente terminou antes disso!
Então a resposta foi um tapa na cara do jovem ginete  .
- Você não faz ideia... mas quando acionou a chave, todos os membros da equipe foram hospitalizados, a coisa que você libertou se alimentou deles deixando todos à beira da morte, isso é responsabilidade sua... então antes de achar que tudo gira em torno de seus relacionamentos frustrados.
- Desculpa, eu não sabia.
- É claro que não sabia, você não se importou em saber ou nos procurar ao menos para pedir desculpa. Então vai logo para a missão dessa nova equipe e agradeça que o Felipe se importa o suficiente com você para me procurar e quando você voltar vai responder junto com todo mundo.
- Parece com você e a Carol.- Comentou Karine sussurrando ao pé do ouvido de Felipe.
- Não sei o que quer que eu diga.- Respondeu Roger com hesitação, a pessoa que há poucos instantes berrava de impaciência agora exalava impotência e inquietude ao sequer mexer os braços.
- Não diga nada, sua palavra não tem valor mais, apenas garanta seu retorno.- Replicou ela virando-se de costas e partindo de volta a Metrón sem se despedir.
- É isso foi humilhante...- comentou Douglas.- mas olha, não se é um ginete de verdade até perceber que perdeu alguém importante...
- Isso é engraçado para você velhote?- Perguntou Roger com os olhos exalando uma fumaça dourada com um peso na voz, suas mãos transbordavam o mesmo brilho de sentinela. Ele claramente mataria alguém naquele momento com mais uma provocação.
- Acredite em mim, eu já quis matar meu pai mais vezes do que consigo me lembrar.- Disse Karine.- você não consegue, mas ao menos não é o único aqui, parece que Douglas e Felipe têm o dom de despertar o pior mas pessoas.
- Se já acabaram é melhor irmos.- Afirmou Lucas.- Ainda tenho centenas de ginetes para levar, será um longo dia hoje.
Todos os ginetes tocaram as costas do mago e ele ergueu o bastão para o céu, Felipe tocou o ombro de Roger com alguém tentando consolar ou se desculpar porém um reflexo em forma de pancada foi o que recebeu na mão e todos ali sumiram em meio à uma poderosa labareda esverdeada rumo à Logen Cairo mais uma vez.