RUPTURA

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Quando botei meus olhos em você pela primeira vez, fiquei com inveja do teu cabelo. Logo depois, fiquei com inveja da pessoa que podia passar os dedos entre os teus fios escuros.

Foi então que você olhou para mim, e eu senti vergonha da minha cara de morta pós-dia-de-trabalho. Desviei meu olhar rapidinho, tentando fingir que você nem existia. Mas existia, e era impossível ignorar a sua presença.

Pensei que nunca mais fosse te ver, até que... estranhamente, começamos a nos encontrar frequentemente naquele mesmo lugar. Eu gostava daquele canto do ônibus porque pouca gente ficava lá, depois você me contou que o teu motivo era o mesmo.

Eu juro que tentava não olhar para você, mas o seu cabelo realmente era legal. Você também, é claro. As sobrancelhas grossas, bem pigmentadas, e que de longe pareciam quase ter sido desenhadas. Sua pele de um tom marrom claro, mais puxado pro lado do vermelho do que a minha cor de oliva. E você sempre estava usando roupas confortáveis, como se estivesse ali simplesmente por gostar de estar, o que não fazia o menor sentido.

Você era um mistério.
E eu tinha acabado de ler Cidades de papel.

Um dia, cheguei e você não estava no lugar de sempre. Procurei em todos os outros lugares, até te encontrar num outro canto. Você já tinha me visto e riu do meu comportamento. Me assustei e virei para o outro lado, morrendo de vergonha.

Imagina só a minha surpresa quando você decidiu se sentar ao meu lado. E quando você chegou, seu cheiro veio junto. E é engraçado me lembrar disso porque, eu devo ter aspirado o suficiente para que afetasse o cérebro, já que comprei um perfume igualzinho ao seu para borrifar no meu pijama antes de dormir, para sonhar contigo.

Mas ao contrário de todas as minhas baixas expectativas, você falou comigo. Eu estava tão nervosa que nem lembro o que a gente conversou, mas fui tão feliz naquele momento.

E a gente continuou conversando, todos os dias. Falamos bastante. Marcamos de nos encontrar em outro lugar, fora do ônibus. A gente tinha muito em comum, e descobrir isso foi uma delícia.

Você disse que minha cara pós-dia-de-trabalho era uma graça, e eu te chamei de cego. Eu disse que queria tocar o seu cabelo, você disse que amava cafunés. Você ria das minhas piadas, e eu te ajudava a melhorar as suas. Eu te contava as minhas faltas, você me falava das tuas vergonhas e juntos começávamos a rir. Nós nos completamos, de uma forma naturalmente bela.

Conhecer você foi como ligar uma luz no meu escuro. Era como se eu fosse um robô antes disso, sobrevivendo dia após dia, e então... você. Nós. O ar entrou em meus pulmões, passei a viver outra vez. Você me trouxe de volta à vida.

Quem diria que dá para encontrar vida dentro de um ônibus no fim da tarde, quando tudo o que a gente quer é chegar em casa logo. Mas depois de você, ficar em casa sozinha era a última coisa que eu queria. Sem você, eu não era nada.

Nosso romance me tornou algo a mais. Eu não era mais apenas eu, agora fazia parte do nós. E isso era mil vezes, não, um milhão de vezes melhor. Eu nunca conseguia ter o suficiente de nós.

Quando você me tocava, tudo em mim florescia. Quando você me beijava, meu corpo estremecia e começava a derreter lentamente. Quando estávamos juntos, eu tinha a certeza de que a nossa história seria diferente de tudo o que já tinha conhecido antes.

Você pegava meu rosto entre as suas mãos e dizia que eu era linda, eu respondia que esse fenômeno só acontecia sobre o seu olhar, e você ria, e ria, e ria de mim. Passar a mão no seu cabelo enquanto você deixava sua cabeça no meu colo era a minha parte favorita de todas as partes favoritas, porque você pegava a minha mão e dizia que eu tinha dedos delicados, que eu tinha algo único na ponta dos dedos que te fazia vibrar.

Você me contou seus sonhos, e eu disse que não tinha nenhum. Então você estendeu sobre os meus olhos uma lista infindável de possibilidades, mas falou que sinceramente, eu tinha jeito para ser médica. E eu abri para você meu maior sorriso, sentindo um orgulho de mim mesma que só podia ser culpa tua.

Amar você doía de um jeito bom.
Você era único.

Até que, numa sexta feira ordinária, você avisou que não dava mais. Disse por mensagem que não tinha coragem de falar cara a cara, mas que queria terminar. O motivo foi que você não gostava mais de mim, seu coração se sentia sufocado quando estávamos juntos.

E eu... bom, o que eu pude fazer? Respondi a sua mensagem com um tudo bem forçado. Você começou isso e você terminou também. Tudo sempre esteve no seu controle.

Eu senti a tua mão se enfiando no meu peito e pegando todo o ar que ali residia. Sufoquei dentro de mim o último grito que sobrou. Guardei para outro dia, outro momento. Senti a ruptura naquele momento, e tudo se despedaçou tão rápido.

Me deitei na cama e abracei minhas pernas. Não chorei, porque a dor não queria sair de mim.

Agora eu precisava morrer um pouco.

(de)composiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora