As Presas Que Rasgam Minha Carne

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  Samanta acelerou o passo no exato momento em que viu o portão do cemitério aberto. Ela não tinha outra escolha a não ser entrar naquele local macabro para fugir de seu agressor. Seu marido a perseguia ferozmente e, sabendo dos danos que sofreria, Samanta não hesitou em se esconder na escuridão daquele lugar fúnebre. Permeada pelo sono eterno dos mortos, sentindo o calafrio percorrendo todo o seu corpo marcado pela violência, a pobre vítima refletiu que, por mais assustador que aquele lugar demonstrava ser, não era mais assustador que a vida fora dali; era muito melhor estar entre os mortos naquela madrugada fria. Um grande jazigo velho de grades enferrujadas chamou a atenção de Samanta - ali seria o local de seu refúgio. Com facilidade ela abriu as grades, sentindo a ferrugem úmida grudar em suas mãos e, em silêncio e imóvel, ela se camuflou entre as velhas coroas de flores que estavam ali dentro.

O agressor parou bem próximo ao jazigo onde Samanta estava escondida, movendo sua cabeça para todos os lados à procura de sua esposa. Ele estava sedento por abusos físicos; praticá-los, deixava aquele ser desprezível com uma enorme sensação de poder - em êxtase profundo. Tristes lembranças se apoderaram da mente de Samanta naquele momento; todos os abusos que sofrera no passado - e os do momento presente - passavam como um filme em sua mente dilacerada, fazendo com que ela não pudesse segurar as lágrimas, desabando em um choro alto o suficiente que poderia ser ouvido do outro lado do cemitério. A gargalhada de seu marido era maléfica e demonstrava toda a euforia que ele sentiu ao encontrar o local onde ela estava escondida. Samanta, em estado de choque, apenas pôde observar seu marido tentando abrir aquelas grades, quando de repente, um vulto surgiu do nada e arremessou o algoz para longe do jazigo, fazendo com que ele batesse a cabeça vigorosamente em uma das lápides, deixando-o desacordado. Samanta agora tinha duas preocupações: seu marido e aquele ser obscuro.

O limitado brilho da Lua era suficiente para ela notar que aquele vulto era na verdade um homem, vestido de preto, de rosto muito pálido e lábios rubros. Aquele ser se aproximou do marido desfalecido de Samanta, e então, do bolso de seu sobretudo ele tirou uma bolsa de sangue. Samanta achou aquilo muito estranho e tentou inclinar seu corpo, buscando uma visão melhor para entender o que o homem de preto pretendia fazer com seu marido. Um barulho vindo do jazigo fez com que aquele homem, fugazmente, corresse para o esconderijo de Samanta e arrancasse, com apenas um braço, aquelas grades enferrujadas, encontrando a moça assustada, juntando os cacos do vaso de flores que ela tinha derrubado. "Por favor, não me mate!" — suplicou Samanta — "Por mais que eu tenha me sentido morta durante todos esses anos ao lado daquele homem, e que a vida que eu vivo hoje, que é uma vida que está acabando com a minha própria vida, eu sinto que as coisas vão melhorar. Eu acredito e preciso de uma segunda chance!"

Samanta segurou a mão gelada daquele homem assim que ele a estendeu para ajudá-la a se levantar. De forma impulsiva, ela o abraçou fortemente, como se jamais fosse soltar e começou a chorar. Sem saber o que fazer, o homem a conduziu até um túmulo de granito onde eles se sentaram para poder conversar. "Diga-me por quais problemas você está passando" — disse o homem demonstrando afeto, com seu timbre de voz rouco, porém, muito suave.

— Há muito o que dizer, mas se me permite resumir, sofro horrores nas mãos desse.. Carrasco!... É isso o que ele é — Samanta apontava furiosa o dedo para seu marido estirado no chão — Sofri por muitos anos, e eu não posso mais suportar esse tipo de horror em minha vida.

Samanta "abriu seu coração" para aquele estranho, aproveitando a única oportunidade que ela tinha de poder relatar para alguém os terríveis fatos de seu relacionamento abusivo. No túmulo onde eles estavam havia uma vela em chamas, iluminando a foto do falecido que estava enterrado ali. A iluminação da vela clareava muito bem os dois desconhecidos durante a conversa, fazendo com que Samanta pudesse acompanhar com clareza o olhar daquele homem que, minuciosamente, observava sua encantadora clavícula, seu ombro e seu pescoço; até mesmo a pequena tatuagem do Totoro que ela tinha escondida atrás da orelha ele pôde examinar, mantendo sempre seu olhar penetrante. Assim que ela concluiu sua história, tomada por curiosidade, não hesitou em perguntar: "Você é um vampiro?"

13 Contos FúnebresWhere stories live. Discover now