Espinhos

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☼ Além do Sol | Capítulo 5

Sábado:

    Ao decorrer da semana, abandonei a solidão aconchegante do meu quarto e dediquei boa parte do tempo aos estudos. Claro que por trás disso havia um motivo maior: passar as tardes na biblioteca com a Joice.
   Nos aproximamos muito mais do que eu esperava e até meus amigos ficaram surpresos. Uma garota tão deslumbrante e esperta como aquela era perfeita para mim, sem sombra de dúvidas.
    Fui percebendo o quanto ela gostava da minha companhia, de como se sentia à vontade estando ao meu lado e de como ela sorria para mim. Desisti de perguntar sobre o bilhete, agora eu tinha certeza absoluta de que ela queria mesmo a minha amizade.
    No entanto, eu desejava muito mais que isso.
    Desde que escrevi o meu primeiro poema, continuei criando outros diversos, todos os dias.... inspirado em alguém especial. Fui decorando envelopes para guardar as cartas e depois as escondi numa caixa, até a metade. Ela tinha mesmo ajudado a encontrar o meu artista interior, pena que minha coragem ainda não era suficiente para entregar aquelas declarações.
   Estar apaixonado nos faz agir feito idiotas. Eu andava ainda mais avoado que o normal, desatento e sempre perdido em devaneios, como se andasse nas nuvens o tempo todo.
   Até em casa perceberam meus trejeitos de alegria, eu parecia um bobo. Minha mãe utilizou até um termo meio pejorativo para me descrever, disse que eu estava agindo feito um "retardado". A coisa ficou feia quando sem querer, quebrei um prato de porcelana da minha mãe. Confesso que sempre fui um desastrado ambulante.

    De fato, a Joice me fez perder completamente a noção. Só conseguia pensar nela ou em nós dois o tempo todo, seja ao acordar ou antes de dormir, escondendo o rosto no travesseiro de vergonha. Lúcia comentou que eu parecia estranho, mas os efeitos do amor nos deixam assim: maluquinhos.
    Falando nela, andava um tanto animada assim como eu, meio diferente. Depois de encontrar por acaso o convite para a festa de aniversário da Vanessa (que eu não conhecia), entendi o motivo. Já era um hábito eu encontrar tudo o que ela tentava encobrir.
     Mesmo assim, Lúcia ainda parecia angustiada com alguma coisa, além de ter desenvolvido um apetite de leão. Certo dia, a flagrei escondida na garagem e quase gorfei quando me ofereceu o sanduíche com presunto e geléia de uva que estava comendo.
     Aquelas expressões de aflição me incomodavam tanto, eu só queria poder fazê-la sorrir de novo. Ouvimos música algumas vezes nos dias anteriores, mas nada fora do normal. Ambos em silêncio, apenas ouvindo.
     Foi então que decidi quebrar em mil pedaços o meu cofrinho de porco, juntar uma pequena quantia e chamar meus amigos para ir ao shopping. Ia comprar um presente bem bonito para Maria Lúcia.
    Naquele dia, minha mãe recebeu a visita de sua irmã Clarice. Ambas conversavam na sala enquanto faziam tricô e meu pai observava tudo de relance, sentado em sua poltrona. Mesmo com o olhar sonolento, parecia prestar atenção nos diálogos. Pulei a janela do quarto e saí escondido, queria evitá-los de qualquer jeito.
    Ela aparentava ser bem mais adorável ao lado da minha tia, o que para mim era algo bom. Já o calor que vinha fazendo naqueles dias definitivamente não foi legal, nem um pouco.

     Ainda nem era verão, mas o calor escaldante tomou conta da cidade de uma maneira insalubre. Agora eu abusava de protetor solar dos pés à cabeça, para manter minha pele branca e frágil segura diante do sol. Não sou mais o mesmo desde que queimei o corpo todo na praia por descuido.
    Havia um lugar onde os meninos e eu íamos nos dias quentes: uma antiga piscina municipal ausente de cuidados e de vigilância, já que entrávamos lá escondidos numa boa, geralmente aos fins de semana.
    Nunca fui muito fã de piscinas, pois não sabia nadar de fato, apenas ficava em pé e percorria pela borda enquanto a água alcançava o meu pescoço... e se eu fosse mais baixinho, me afogaria fácil. No dia anterior, lá estávamos nós de novo.
    Vitor de sunga vermelha, Igor com sua bermuda azul de patinhos e eu, com uma amarela de listras brancas. Confesso que era divertido se aventurar naquela água fria, cheia de folhas e galhos, pois a adrenalina tomava conta da gente. Constantemente eu acabava olhando demais para os dois, fazendo observações entre nós, principalmente comigo.
    Ser um garoto magro e sem graça nunca me incomodou, mas ao comparar meu físico com o de Vitor, notei o quanto ele aparentava ser bem mais desenvolvido e isso me deu uma certa frustração. Algo que eu nunca havia sentido, uma certa vergonha de mim mesmo. Nem sabia que meninos também se sentiam assim.
    Só piorava ao entrar no vestiário abandonado, onde se localizavam os chuveiros. Vitor rapidamente se desfez da sunga sem o menor pudor ou timidez, então sem hesitar eu me despi em seguida, como uma demonstração de que não me senti intimidado. Mas foi estranho, eu não gostava nem um pouco daquele constrangimento.
    Igor também parecia assim. Ele apenas ria discretamente e esperou entrar na cabine para tirar sua bermuda. Sempre tomamos um banho gelado ali, separados um a um por uma parede de mármore. Já no sábado, eu os aguardava em frente ao shopping.
   Passei dez minutos sentado na calçada e esperando os dois aparecerem, quase começando a transpirar por conta do calor, até avistá-los chegando de longe. Vitor disse que faria qualquer coisa para ver a minha irmã feliz.
    Durante a semana contei sobre minha nova amizade com a loirinha e ambos ficaram surpresos, mas também muito orgulhosos.

ᥲᥣᥱ́꧑ 𝚍᥆ ᥉᥆ᥣWhere stories live. Discover now