Vislumbre

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☼ Além do Sol | Capítulo 6

Sábado:

    Durante a noite eu costumava ser mais sereno e criativo. Antes de pegar no sono, passava uns vinte minutos tentando descrever o meu dia através de poemas.
    Naquela noite em específico, fiquei no quarto observando uma chuva tranquila cair sob a rua. O calor ainda era presente, mas deu uma aliviada, se tornando mais refrescante. Aproveitei o clima para deitar no chão, absorver meus pensamentos e transferi-los para o papel, enquanto Yoda destroçava seu coelhinho de brinquedo.
    Minha mãe guardou a rosa amarela em um jarro de água bonito e o pôs em cima da geladeira, ao lado do pinguim de porcelana. Estava visivelmente abalada, mas também parecia contente por aquele agrado.
    Desci para a cozinha e lhe avistei tomando um whisky, coisa que jamais imaginei vê-la fazendo. Logo ela que por frequentar a igreja, aparentava ser contra esses hábitos... um tanto inusitado, eu diria. Ela levantou-se e disse que não ia preparar o jantar, portanto eu teria que ficar esperando a Maria Lúcia aparecer ou fazer alguma coisa.
    Meu estômago roncava, era impossível esperar. Para minha sorte, haviam pequenas coxas de frango armazenadas no congelador. Foi isso mesmo que eu fritei e levei para o quarto com uma garrafa de refrigerante.
    Falando na minha irmã, ela chegou pouco depois e se deparou com o buquê. Sua expressão genuína de felicidade tornou aquele sábado um pouco melhor. Ainda bem que havia surgido depois da confusão, ou nem as flores teriam lhe feito sorrir.
    Dona Telma devia não estar em casa, senão provavelmente ligaria para a polícia ao ouvir aquela briga.

     Eu ainda me sentia frágil e covarde por não ter interferido naquela desavença, pois o desfecho podia ter sido uma tragédia. Mas eu não consigo, já que em situações extremas sinto meu corpo todo paralisado, como em um estado de choque que me impede de reagir.
    Talvez se algum maníaco me ameaçasse com uma arma, eu ficaria tão apavorado a ponto de não correr ou lutar. Acabaria levando um tiro simplesmente por permanecer imóvel.
    De qualquer maneira, ter me divertido com a Joice e feito minha irmã sorrir, fizeram aquele dia valer a pena e ser mais agradável.

—  Onde conseguiu essas rosas? — Sorria, sentindo o perfume do buquê.

—  Segredinho — Pisquei — Você gostou mesmo?

—  Eu AMEI, Dani! Muito obrigada, mas qual o motivo desse presente? — Mesmo feliz, ela parecia não entender o quanto eu estava preocupado.

—  Nada demais, eu só queria te ver alegre... e estou feliz por ter conseguido.

—  Besta — Riu-se, me abraçando em seguida — Você é o melhor irmãozinho do mundo, sabia? Sortuda é a garota que tem o seu coração.

—  Ah, para com isso. — Disfarcei meu sorriso.

—  Tô falando sério. Você é mais que especial, Dani.

—  Não concordo, mas se você diz... — Sorri.

—  Vamos assitir alguma coisa? Ouvir música? Deixo escolher o que quiser. — Por um instante, a velha Maria Lúcia tomou conta dela. Era exatamente o que eu queria.

—  Tá falando sério?

—  Sim — Sentou-se no beliche e fez uma pequena expressão de dor.

—  O que foi?

—  Nada, só senti um desconforto — Sorriu, tentando descontrair — Se quiser, podemos apenas ficar jogando conversa fora. Como nos velhos tempos.

—  Eu adoraria, Lúcia. Mas é que... preciso sair.

—  Sair pra onde nessa chuva?

—  Combinei de ver um amigo — Desviei o olhar — Foi mal.

ᥲᥣᥱ́꧑ 𝚍᥆ ᥉᥆ᥣWhere stories live. Discover now