𝑂 𝐿𝑎𝑑𝑜 𝑂𝑐𝑢𝑙𝑡𝑜 𝑑𝑜 𝑆𝑜𝑙

Família

A intuição de Eris nunca esteve tão certa.
Não vira Lucien no jantar e ele não foi para o quarto naquela noite. Imaginou então que ele teria ficado na biblioteca trabalhando, mas Hanna observou que Elain também não tinha dado as caras. Então talvez estariam se conhecendo melhor? Eris fez uma curta oração para que a Mãe permitisse que sim, mas como sempre a queridissima Mãe cagava nas orações dele e cuspia nelas depois.
Pela manhã, Lucien convocou uma reunião no escritório de Helion, e depois do sumiço estranho do irmão na noite anterior, não ousou pensar duas vezes antes de entrar no cômodo.
A cena foi estranha, a energia do lugar estava pesada, e Lucien nem mesmo olhou para Eris. Elain estava sentada numa poltrona de camurça tomando uma xícara de algum chá amargo logo atrás dele, em silêncio.
Helion tão confuso quanto Eris perguntou sentado à mesa de escrita:
- Eris já está aqui, podemos começar ou esse suspense vai perpetuar por mais tempo?
Lucien se afastou um pouco de Elain jogando o pequeno livro sobre a mesa de Helion.
O título brilhou com os raios de sol que entravam pelas janelas, " O Lado Oculto do Sol".
Helion se sobressaltou, levantando-se imediatamente. Foi possível ver a sua pele escura ficar pálida antes de ele abaixar a cabeça.
- Do que isso se trata?- Eris perguntou ainda no arco da porta.
- Nada demais, é só um livro que conta a linda história de como Helion e nossa querida mãe mantiveram um caso por décadas, e de repente quando eu nasci, resolveram que era uma ótima hora pra acabar com isso e esconder do filho que tiveram que na verdade ele não passava de um imprevisto. Parece que Beron estava certo quando dizia que sou um bastardo.
Helion tremia diante a mesa e a única coisa que Eris conseguiu pensar foi: quando é que as coisas ficaram tal ruins?
- Aliás, obrigado por ser mais um que omitiu isso e tentar bancar o irmão bonzinho. Você falhou miseravelmente e só me causou mais um trauma.
- Lucien, eu posso explicar...- Helion começou.
- O livro que você escreveu já explicou tudo.
Elain repousou a xícara de chá em uma mesinha ao lado da poltrona, tranquila como se nada estivesse acontecendo.
Eris se aproximou do irmão.
- Eu sei que eu sou um mentiroso desgraçado, mas acabamos de fazer as pazes sobre algumas coisas e eu não quero brigar de novo. A gente pode tentar conversar com calma?
Lucien aproximou de Elain se apoiando no encosto da poltrona.
- Claro... estou ouvindo.
Eris suspirou tentando pensar o mais rápido possível nas palavras certas pra não estragar mais as coisas, mas quem começou foi Helion.
- Eu imagino a sua frustração Lucien.- ele saiu de trás da mesa.- Eu sei o quão traído você deve estar se sentindo agora e eu peço perdão por todas as coisas que minhas escolhas acarretaram, mas eu juro por todo meu coração e minha vida que tudo o que eu fiz, tudo o que sua mãe fez, foi apenas para te proteger.
Lucien o olhou com um cinismo que não mostrava nada além de sua raiva.
- Claro que você entende, claro que vocês só queriam me proteger, é tudo o que todo mundo quer fazer a todo momento né? Colocar uma faixa nos meus olhos e me proteger da escuridão que vocês criaram.
- Algumas coisas requerem sacrifícios Lucien.- Eris disse ansioso.
- Vocês reis, príncipes, Grão-Senhores super poderosos sacrificam tudo por ouro, poder, ganância, mas quando se trata da vida de uma mulher fragilizada por um monstro e uma criança, apenas as vítimas se sacrificam ?- Helion pareceu perder as palavras.- Hipocrisia é eufemismo pra isso. Você deixou sua parceira definhar nas mãos de Beron, deixou Eris se envolver nisso fazendo-o se arriscar pra no fim de tudo escolher ignorar as consequências e fingir que não podia fazer nada.
Aquele brilho profundo retornava lentamente a pele do macho.
- Você atou suas próprias mãos por medo, por covardia, e muitas coisas poderiam ter sido diferentes. Por causa do medo de vocês Aurora morreu a muito tempo, e eu também.- Lucien rugiu as palavras.- Você pode ter tentado nos proteger Helion, mas uma coisa eu não posso ignorar, Beron é o pior de todos os seres dessa terra mas jamais deixaria de fazer o impossível para conseguir o que ele quer.
- O que você está dizendo?- a voz de Helion embargou.
- Estou dizendo que você falhou. Falhou com minha mãe, comigo, com Eris, com si mesmo. Você falhou Helion!
Elain abraçou Lucien pelas costas e o apertou com força. Alguma coisa entre os dois tinha mudado, ela não estava ali só para observar a briga de família, estava ali para impedir Lucien, apoiá-lo.
Lágrimas brilharam na pele retinta de Helion.
- Não faz ideia do nquanto nós nos sacrificamos por você.- até mesmo Eris estava abalado.- Sim nós falhamos, mas pelo menos eu fiz tudo o que eu pude Lucien, e faria tudo de novo. Quem seria você sem o passado? Quem eu seria?- sua voz falhava.- Eu não me arrependo de nenhuma chicotada que eu levei do Beron por você, não me arrependo de nenhuma ferida e eu te garanto que a mamãe também não se arrepende. Eu sei que essa não foi a melhor forma de proteger a todos nós e hoje eu percebo isso, mas eu não me arrependo de ter lutado pela minha verdadeira família.
Aquela luz vingativa se esvaia lentamente de Lucien quando Elain o soltou lentamente segurando uma de suas mãos. Helion e Eris puderam sentir o cheiro antigo de magia vindo dela.
Lucien segurou firme na mão da parceira, parecia mais calmo agora.
- Convoquei essa reunião apenas para dizer que eu modifiquei um pouco o plano. Eu e Elain vamos para a Invernal para negociarmos com Kallias e Viviane junto com Morrigan, e eu vou treinar e explorar os dons dela durante o tempo que ficarmos lá para que quando tudo estiver pronto possamos invadir a Corte Outonal. Eu vou apenas avisar Feyre e Rhysand das mudanças.
Ele caminhou em direção a saída segurando a mão de Elain.
- Você vai embora assim?- Helion com certeza se sentia sem chão.
- Sim eu vou. - ele abriu a porta e Elain saiu primeiro.
Antes de fechar e ir embora, Lucien olhou para trás, observando Eris e Helion. Angústia brilhava em seus olhos.
- Quem sabe um dia nós vamos poder reunir essa família...
No fundo ele não estava com raiva, ele só queria que as coisas tivessem sido diferentes, ele queria poder ter uma família.