Alguém espreita na floresta

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Silêncio recaia na floresta. Lucien ergueu o rosto na tentativa de ver quem se escondia nas árvores mas não foi capaz.
- Descreva. - Lucien disse puxando da bota um punhal que parecia ser uma agulha de tão fino.
- Um macho alto e ruivo, acho que tem armas.
- Obviamente tem armas - a voz de Lucien desceu uma oitava.
Elain olhou para ele numa pergunta silenciosa.
- Se está tão próximo então ele sabe que estamos aqui - mais uma vez sua voz abaixou. - Vamos continuar como se nada estivesse acontecendo.
- E se ele avançar? - Elain dizia deitada na neve por baixo de Lucien como se estivessem discutindo.
- Você viu ele bem longe, um sinal de que a magia está respondendo. Quando ele avançar vamos tornar o treino mais... real - disse com um certo entusiasmo assustador.
Elain respirou fundo e então atingiu a traqueia de Lucien com força. O macho tossiu caindo na neve.
- Vamos continuar o treino então.
Era um pouquinho errado ela descontar a raiva que estava sentindo de Lucien daquele jeito. Ele a obrigava a ficar o dia inteiro naquela cabana treinando ou tentando despertar magia, mal trocavam palavras, não que Elain quisesse falar com Lucien, mas se sentia sozinha sem Nuala e Cerridwen. Será que ele as traria se pedisse? Não importava, estava com raiva e era culpa dele.
Lucien se levantou com agilidade.
- Começou a gostar de treinar de repente, é?
- Por que eu não gostaria quando posso bater nessa sua cara feia?
Lucien gargalhou colocando a cabeça pra trás. Uma luz leve vinha dele.
O macho se moveu como se os golpes fossem tão familiares que fizessem parte dele. Com um chute que Elain não teve tempo de desviar completamente, ele a derrubou mais uma vez.
Elain se levantou com a mesma agilidade que Lucien e imitou o golpe, que felizmente ele desviou.
- Está tentando reproduzir meus movimentos? - Os olhos dela ainda borbulhavam com poder. - Ou será que isso é uma das coisas que você é capaz?
- Você disse que eu aprendo rápido, vai ver é isso.
Vai ver é isso? Lucien odiou a resposta monótona.
Ele ensaiou um ataque ameaçando avançar e imediatamente Elain reproduziu o movimento. Não era coincidência.
- O ruivo está se aproximando - Elain sussurrou.
- Além de me imitar você pode prestar atenção nele? Que habilidade interessante querida - Lucien ronronou fazendo Elain esboçar uma careta.
- Estou fazendo o que você me ensina.
- Não, você está copiando meus golpes - Lucien avançou segurando Elain por sua nuca e fazendo um movimento como se a atingisse com espada.
Elain fez o mesmo com mais força, dando um tranco no cabelo de Lucien e atingindo seu abdômen fazendo bile arder na garganta do macho.
- Eu não te ensinei esse ataque e você fez com perfeição...
- Pare de reparar no que eu faço e preste atenção no inimigo que está se aproximando - ela exibiu os dentes.
O macho estava a poucos metros agora, Lucien podia sentir.
- É impossível não reparar em você,  muito mais quando me ataca com tanta fúria.
- É algum tipo de fetiche dos féericos se atraírem por fêmeas irritadas?
- Com certeza - Lucien soltou uma risada baixa, dessa vez realmente se distraindo do inimigo apenas para observar o rosto de Elain.
Sim, ela estava com raiva e por algum motivo ele gostava disso.
Mechas do cabelo de Lucien brilharam como pequenos sóis nascendo pela manhã, as pontas pareciam fagulhas de um fogo ardente.
Elain se afastou ensaindo uma defesa.
- Me ver irritada te deixa tão animado que sua magia resolveu acordar - Lucien riu mais uma vez.
- Own, essa sua carinha emburrada mexe comigo - ele colocou a mão no peito como se sentisse alguma coisa.
Um cheiro leve de madeira queimada veio da floresta, quem espreitava ali era claramente muito descuidado.
- Já que você é tão boa em copiar... - Lucien entregou o punhal fino e delicado que tirara da bota mais cedo.- Faça o que eu faço, mas faça melhor.
Foi luz que explodiu na direção do cheiro.
Um macho alto e esguio saiu de trás das moitas esbranquiçadas por neve sacando uma longa espada que acendeu em chamas.
Lucien não pode controlar o rosto surpreso.
- Eu não sabia que estava aqui irmãozinho. Anda se escondendo dos seus amigos na Corte Noturna?
Aquele era um dos irmãos de Lucien, um dos mais cruéis pra piorar. Hidoi, como já dizia seu nome, era terrível e foi um dos a mancharem as mãos com o sangue de Jesminda.
- Quem mandou você aqui?- Lucien colocou uma das mãos para trás e Elain fez o mesmo.
- Essa é a parceira que Eris falou? Devo matá-la também?- Hidoi soltou um sorriso viperino.
Elain sentiu seu corpo queimar, sabia bem que aquilo vinha de Lucien, o ódio era visível nos seus olhos.
Um sinal de seu parceiro foi o suficiente para Elain entender o que ela deveria fazer: matar aquele desgraçado.
- Bem que papai estava certo, você é só um bastardo no fim das contas, nascido de um amor ridículo - Hidoi riu, e foi o som mais nojento que Elain tinha escutado na vida.
- Quem mandou você aqui?- Lucien se movimentou para direita tão sutilmente que o macho a sua frente não notou. Elain fez o mesmo movimento para a esquerda, exatamente como uma imagem espelhada de Lucien, indo para a retaguarda de Hidoi silenciosamente.
- Papai queria garantir que Eris não é um traidor, mas me parece que ele é sim.
- Só agora perceberam isso?- Lucien soltou um sorriso de canto erguendo levemente uma das mãos.
Elain entendeu e ergueu o punhal no ponto cego de visão do inimigo.
- Tínhamos nossas suspeitas... - o macho pareceu avaliar a situação. - Por acaso não pretende me atacar por trás não é?- olhou para Elain de rabo de olho.
Aparentemente ela estava indefensa.
- Infelizmente ela tem pouquíssimo treinamento, vai ser só eu e você querido irmão.
Chamas se acenderam pelo corpo de Lucien misturadas com aquela luz ofuscante que fez os olhos de Elain doerem.
Hidoi se abaixou colocando uma das mãos no rosto, merda foi tudo o que ele conseguiu falar antes de Lucien se aproximar ágil como uma raposa e atingir o peito do macho. Imediatamente o corpo dele entrou em chamas.
- AGORA.
Elain não fazia ideia do que tinha naquele punhal, mas pingou.
Correndo na direção do macho ela imitou um dos golpes que Lucien tinha feito mais cedo, atingindo a nuca de Hidoi de uma vez só.
Ele gritou caindo no chão, tocando as roupas de Elain e fazendo com que pegassem fogo.
O punhal não era longo o suficiente para matar Hidoi mas ele estava paralisado.
O macho rugia mostrando os dentes, quase como um animal ferido e furioso.
Elain soltou um grito ao sentir a pele queimar pelas chamas que consumiam a própria roupa, Lucien a segurou ordenando que o fogo se apagasse e cobriu os olhos dela.
Hidoi gritou novamente, dessa vez de pura agonia e aflição, Elain pode sentir e não conseguiu ordenar que a própria magia se controlasse quando esta se colocou à frente para protegê-la.
Quando abriu os olhos, viu o freixe de luz pura e densa, tão forte quanto um sol gigantesco vindo do peito de Lucien. Os olhos de Hidoi sangravam e onde a magia de Elain tocava na pele do macho, se tornava pedra.
Ondas trasnlucidas de poder vinham dela e eram guiadas pela luz de seu parceiro. Talvez a mãe tenha colocado eles juntos por causa daquilo, aquele poder... indomável, imparável, inestimável.
Juntos, Elain e Lucien, fariam sóis nascerem eternamente.
Quando a luz de Lucien se esvaiu o poder de Elain também se foi, deixando apenas uma estátua de pedra na neve seme-derretida.
Um macho orgulhoso e cruel se tornou um pedaço de morte com buracos ocos no lugar dos olhos.
Silêncio recaiu pela floresta ao redor, como se o que tinha acabado de acontecer não fosse nada.
- O que foi que nós acabamos de fazer? - A voz de Lucien quase não era audível.
- Eu não sei mas... - Elain estava aninhada ao corpo de Lucien enquanto ele quase a cobria com o corpo. - Acho que conseguimos acessar nosso poder.
O macho olhou para ela ainda pálido e perplexo pelo que acabara de acontecer.
- É, acho que sim - Lucien suspirou profundamente como se tentasse se recompor.
Ambos observavam o que tinham feito como se avaliassem o trabalho.
- Podemos vender como um monumento mágico - Lucien disse baixinho ganhando um empurrão como resposta.
Ele riu levemente relaxando os ombros.
- Nós matamos ele, o que significa que quando sentirem falta virão atrás.
- Não terão tempo de fazer isso.
- Ah é? - Elain encarou o parceiro.
- Os convites para o nosso grande baile de gala já chegaram aos governantes dos reinos vizinhos - Lucien limpou uma sujeira do rosto de Elain.- Meu pai vai estar mais ocupado se preocupando em recepcionar os convidados do que se um de seus filhos está vivo.
- Mesmo assim, o que vamos fazer com ele?
- Vamos levá-lo até Kallias é Viviane no nosso encontro em dois dias.
- Você já sabia de tudo isso e não me falou nada? - Elain se afastou sentindo a irritação voltar.
- Eu não queria deixar você ansiosa.
- Duvido que seja por isso, você só decidiu ignorar que eu também faço parte desse plano.
- Se sente ignorada?
Elain caminhou em direção a cabana irritadiça. Poder ondulou entre seus dedos.
Lucien correu atrás dela pegando pela cintura. Elain deu socos em seu peito e empurrou o rosto do macho tentando se afastar.
Ele ria enquanto dizia:
- Prometo que não vou fazer mais isso. Eu juro!
Por um momento esqueceram que tinham acabado de matar um dos filhos de Beron, esqueceram que se odiavam e tinham ressentimento um pelo outro.

𝑂 𝐿𝑎𝑑𝑜 𝑂𝑐𝑢𝑙𝑡𝑜 𝑑𝑜 𝑆𝑜𝑙Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ