Se arrependimento matasse.

222 26 4
                                    

Eris socava um saco de areia com força o suficiente para o tecido começar a rasgar e queimar, seus punhos sangravam mas sua expressão não mudava, continuava a mesma desde que Lucien e Elain saíram e Hanna começou a ficar preocupada.
- Eris, será que a gente podia conversar?
Ele olhou para ela pelo canto do olho mas não parou.
- O que foi?- disse ofegante.
- Você já tá aí faz uma hora, não quer mudar o exercício?
Eris parou por um momento, respirou fundo limpando o suor da testa.
- O que vamos fazer agora?
Hanna sorriu correndo pegando duas espadas longas, afiadas e finas, estendendo para ele.
- Esgrima.

                             ☀︎︎☀︎︎☀︎︎

Quando Elain acordou Lucien já tinha saído. Um cheiro leve de chá de camomila vinha da cozinha, na mesa o bule fumegava ao lado dos pães doces e uvas escuras.
Ela serviu uma xícara do chá tomando devagar e suspirando com o calor calmante. Ainda nevava e pelas grandes janelas era possível observar.
Incrivelmente tinha dormido bem, uma coisa que se tornou rara depois dos últimos anos, Elain pode ouvir o coração de Lucien batendo durante a noite, e mesmo que não quisesse admitir, o som era reconfortante. Ultimamente Elain sentia que nada era real, se sentia deslocada de todas as formas, mas quando ouvia o coração de Lucien as coisas pareciam voltar a realidade.
Duas horas depois Lucien chegou, carregava sacolas de pano pesadas e um arco imenso nas costas.
Ele apenas acenou para Elain colocando as coisas sobre a mesa de centro da sala e tirando o arco das costas.
- O que é isso?
- Um arco de freixo que peguei com um conhecido.
De um dos sacos de pano ele tirou uma aljava de flechas de freixo novas.
- Amanhã vou buscar mais algumas coisas. Aliás, mandei que uma costureira fizesse roupas mais... adequadas para treino pra você vestir.
- Adequadas?
- Você só tem vestidos, certo?- Elain acenou.- Uma fêmea treinada é capaz mostrar suas habilidades sem que um vestido atrapalhe, mas como você é iniciante, roupas muito pesadas vão atrapalhar, principalmente na neve.
- Entendo.- Elain abria os sacos olhando o que ele tinha trago e então começou a levar os alimentos pra cozinha.- Quanto tempo ficaremos aqui?
- Tempo o suficiente.- Lucien prendia o cabelo em um coque frouxo e baixo, as orelhas pontudas brilhavam com brincos dourados.- Vou começar a estudar os livros hoje, mas por ora, vamos treinar com adagas.
- Já vamos começar o treinamento?- Elain se assustou. Será que não era cedo demais? E o que ele disse sobre a roupa adequada? Ela usava um vestido longo e pesado de inverno.
- Sim, nós vamos.
Lucien não disse mais nada, apenas pegou um estojo de facas e caminhou para a cozinha saindo por uma porta lateral que dava para um pequeno quintal de pedra.
- Você já está familiarizada com facas eu imagino.
Elain havia atacado o rei de Hybern e quase decepado totalmente sua cabeça.
- Eu não diria que um golpe de sorte é experiência.
- Mas você golpeou não foi? Vai aprender rapidinho.- Lucien brincou com uma faca leve, girando entre os dedos.
Elain observou o macho por um momento. Mal tinham trocado palavras na noite anterior, e não olhavam diretamente um para o outro. Era estranho... parceiros deveriam se sentir assim? Mesmo com o laço eles não deixavam de ser estranhos um para o outro, não sabiam muito mais do que os seus nomes e a cor dos olhos um do outro. Elain começou a se arrepender de ter vindo.
Em um momento a faca estava nas mãos de Lucien, e no outro estava grudada na parede dos fundos da casa, ele havia lançado apenas como uma demonstração.
- A primeira lição é: quanto mais determinação você tiver, mais precisão seus golpes terão. Não importa de onde venha sua determinação, da raiva, do amor, de um objetivo, se você souber como usar isso a seu favor ninguém jamais vai tocar em você.

                              ☀︎︎☀︎︎☀︎︎

Suor pingava da testa de Hanna enquanto Eris avançava ferozmente, ela não recuava.
Hanna revidou, atingindo em cheio o tórax do macho. Ele perdeu.
Os olhos avermelhados de Eris brilharam quando se voltaram para a fêmea a sua frente. Linda, Hanna era simplesmente linda.
- Você é boa nisso.- o peito do macho subia e descia ofegante.
- Se eu não fosse não estaria nesse palácio queridinho.
O macho riu ainda olhando para ela, para a extensão do seu cabelo preso em um rabo de cavalo alto, para seu pescoço que brilhava pelo suor, para os lábios carnudos avermelhados e... Ele estava olhando demais, e Hanna notou.
- O que foi? Fico atraente numa roupa de treino?
-Ficaria ainda melhor sem ela, queridinha.- disse secando a testa com uma toalha curta.
- Canalha.- ela caminhou pegando água.
- Foi você que perguntou.- ele riu mais uma vez.
Ótimo, ela tinha conseguido animar o crianção.
- O que aconteceu?
- Você é curiosa né?
Hanna o encarou cruzando os braços. Eris suspirou.
- Mais uma discussão e meu irmãozinho decidiu ficar longe de mim de novo. Aparentemente ele guarda rancor do Helion agora.
- Eu devo perguntar o que deixou ele tão chateado?
- Família, querida, coisas de uma família complicada que nunca deu certo.- um tom de frustração preenchia sua voz.
- Não fale assim.- Hanna se aproximou colocando uma toalha seca envolta do pescoço de Eris, ajudando a secar seu cabelo.- Família é algo conquistado, não criado. Eu não sei qual é o real problema mas uma hora Lucien vai voltar, e você precisa estar preparado pra recebê-lo como uma família.
Ele voltou a observá-la.
- Você é muito gentil... deveria ser sacerdotisa.- a fêmea riu.
- Credo, não. Eu gosto de descer o cacete em gente como você.
- Gente como eu?
- Sim, pessoas insuportáveis e odiaveis.- ela se afastou indo em direção a saída.
- Bom saber que você me odeia.
- Ah é? E por que?
- Assim eu posso te odiar também.

                               ☀︎︎☀︎︎☀︎︎

Elain dava golpes desajeitados numa pilastra de madeira da casa.
- Segure mais firme na faca e ajeite a postura.
Lucien era rígido e exigente, notava os mínimos erros e corrigia imediatamente, um professor nada agradável.
Eles tinham se aquecido, treinado alguns socos e mobilidade com a faca. O mínimo, pelo que ele tinha dito, mas parecia um grande sacrifício.
- Eu cansei disso.- os braços de Elain estavam doloridos.- Eu preciso mesmo aprender isso?
Lucien olhou para ela, estava lendo um livro grosso antigo enquanto ensinava.
- Quer continuar dependente de todo mundo?
- Claro que não?
- Então pare de reclamar, continue.
Bruto, grosseiro e mal educado, Elain continuou.
Ao fim do dia, Lucien estava na cozinha fazendo o que quer que fosse que ele estivesse fazendo.
- Você quer que eu cozinhe?- Elain se aproximou.
Ah, ele estava cortando cenouras.
- Não é necessário. - ele não olhou para ela.
- Quer ajuda?
- Eu sei me virar, obrigado.- ele se virou levando as cenouras cortadas para uma panela de água fervente.
- Por que está na defensiva assim? Já que estamos aqui temos que pelo menos nos comunicarmos, né?
- Elain não me leve a mal, okay? Mas você não gosta disso e eu muito menos. Depois de tudo isso eu vou voltar para as terras humanas e você vai para a Noturna ou para, sei lá, só não temos que criar vínculo nenhum.
não quero que o nosso lado de parceria influencie nós dois, foi o que ele quis dizer.
Elain respirou fundo subindo para o quarto.
- Claro, como quiser.- ela bateu a porta com força, fazendo as janelas estremecerem.
Elain estava completamente arrependida de ter vindo.

𝑂 𝐿𝑎𝑑𝑜 𝑂𝑐𝑢𝑙𝑡𝑜 𝑑𝑜 𝑆𝑜𝑙Onde histórias criam vida. Descubra agora