Prólogo

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Jogou seus longos cabelos negros e ondulados para trás, fitando o céu nublada com seus olhos tão escuros quanto a noite. Uma de suas pernas balançava em um nervosismo incessante por baixo do longo vestido preto. Sentiu a brisa de inverno tocar seus braços descobertos e arrepiá-los, embora a fogueira de centro lhe aquecesse.

Mordeu seus lábios pintados com batom vermelho-vinho e em seguida expirou com força ao fechar os olhos. Assim como as outras duas mulheres próximas a ela, a ansiedade e o nervosismo faziam morada sem permissão em seus corações por conta de uma situação tão decisiva e incerta como essa.

A voz feminina que tanto esperava ouvir finalmente foi pronunciada e chamou sua atenção.

— Suprema — a quarta mulher retornou, caminhando sobre o chão nevado.

Imediatamente se levantou para encarar aquela mulher magra de pele branca; o semblante desta estava tenso, seus ombros caídos inevitavelmente denunciavam más notícias.

— Eu... sinto muito — a recém-chegada afirma, mexendo nervosamente em seus cabelos curtos e negros.

A dita Suprema sentou novamente naquele mesmo tronco caído, encarando quieta as chamas amarelas de centro.

— Encontrei somente seu corpo — prossegue ao notar o interesse das outras. — Infelizmente Alzádia não está mais entre nós.

O silêncio total abraça todas em amargura, somente os leves ruídos noturnos da floresta marcavam presença.

Antes que a última brasa se queimassem e elas fossem tomadas pela escuridão, o olhar fixo da Suprema atiçou um fogaréu ainda maior como se transmitisse combustível pela retina.

— Não deveria ser assim — afirma com seriedade. — Georginna, você tem certeza? — seus olhos vão até a mulher, que confirma engolindo em seco.

O olhar atônito e raivoso da Suprema retorna à fogueira; ela prensa seus lábios e aperta as suas mãos, transbordando seu corpo em ódio. Todas baixam a cabeça em ver sua líder dessa forma.

Estavam em um beco sem saída completo, a dor de perder uma aliada misturado com a destruidora perdição do fracasso.

Onde falharam? O que diziam as profecias eram pura falsidade? Ela cometeu o raro erro ao interpretá-las? Eram perguntas que rondavam a mente turbulenta da Suprema, cujos olhos perdidos passaram a assimilar a capa grossa repleta de símbolos arcaicos de um livro em seu colo.

— Talvez tenhamos que esperar mais alguns anos... — Georginna tenta reanimar.

— Não — recebe uma reposta seca da líder. — Não há mais o que esperar. Ela era a única que poderia gestar o Último Herdeiro. Não há outra — cerrou os punhos e rangeu os dentes, as chamas se espalharam por parte da floresta por conta de sua fúria, queimando as folhas das árvores e derretendo a neve, assim como agitando os animais que ali se escondiam. — Quando eu encontrar o desgraçado que matou ela... — o fogo se alastrava cada vez mais e o escuro de seus olhos foi substituído pelo dourado — eu vou dilacerá-lo!

As outras três se sentem acuadas, apenas observando apreensivas o estrago que vinha sendo feito na flora ao redor.

Contudo, um vento frio e pesado soprou forte o suficiente para apagar toda e qualquer partícula de fogo que havia no perímetro e as mulheres foram submetidas à total escuridão. Todavia, houve um novo e suave reacender na fogueira central, trazendo novamente a luz.

Meio a elas, se apresentou um homem velho, com rosto enrugado, cabelos brancos longos e barba ainda mais longa. Usava uma túnica azul-claro bordada em um tom leve de amarelo, tão cumprida que cobria seus tornozelos.

— Perdemos uma grande companheira, o que é uma infelicidade indescritível. Contudo, ela concluiu sua missão antes de partir — o senhor conta, encarando a Suprema.

Em passos lentos foi até ela, que se levantou de imediato enquanto seus olhos regressavam para a cor natural. As duas mãos do senhor estavam unidas e fechadas, escondendo algo. Alguns cantos abafados de pássaro foram ouvidos vindos dali.

— Enquanto esperávamos o Último Herdeiro, eles caçavam o mesmo — por alguns segundos pausa sua fala. — Ansiávamos pelo bebê que mudaria o mundo. Eles o queriam morto.

Abriu suas duas mãos, revelando um pequeno canário azul agitado e amedrontado. As outras três se aproximaram rapidamente para observar.

— Alzádia não era uma das bruxas mais temidas por acaso, era sábia e sobretudo astuta — passa a ave ingênua e frágil para as mãos da Suprema, que a eleva até à altura de seus olhos. — Em hipótese alguma cometeria o erro de permitir que a criança caísse nas mãos daqueles malfeitores imundos.

— Wysher, está dizendo que ela... — Georginna aponta para o bichinho, interrogativa e sentindo a esperança novamente preencher seu peito.

— Só há uma forma de saber — sua líder responde em prontidão.

Todos se afastam lentamente, ficando ao redor da fogueira.

O pequeno animal de penas segue piando com frequência, até ser envolvido por uma cúpula redonda e dourada cintilante que abafa os sons. A Suprema fechou seus olhos e concentrou suas energias. Quando reabriu, estavam da cor do ouro outra vez, sendo assim, começa a conjurar um feitiço.

— Em nome das sagradas escrituras e da lua que ilumina a noite. Em nome da dor que desola os inocentes e do poder que possui o malfeitor. Em nome do sangue de sua mãe e da glória de seu primordial. Por todas as maldições e bruxarias, por toda a maldade que nessa Terra possa haver, todavia, também por toda a bondade dos mais belos corações. Em nome do sentimento que jamais se dissolve e, quando essa fatalidade ocorre, significa o fim, te atribuo o nome deste — se ajoelha próxima à fogueira e coloca a cúpula meio ao fogo. A pequena ave anuncia sinais de sofrimento, gritando desesperada e agitadamente como se implorasse por sua vida. Enquanto isso, de baixo para cima, o fogo vai gradativamente ganhando a cor azul. — Por meio da esperança, a qual se sobressair no coração, as dificuldades sempre vence, eu, a Suprema Bruxa, te batizo Spency — sopra a fogueira com sutileza.

O fogo se dissipa em partículas que se espalham e flutuam pelo ar, ainda iluminando o local em um tom azul-celeste e belíssimo, criando um ambiente magicamente impressionante. O canto do canário é substituído pelo choro de um bebê, e todos se aproximam maravilhados. A Suprema carrega cuidadosamente o menino recém-nascido que acabara de deixar o encanto de ser um animal.

— Talvez eu nunca tenha dito — Georginna acaricia o rosto da criança suavemente com os dedos, que nos braços da outra mulher, aos poucos se acalmava. — Mas Alzádia era genial.

— Supus que ela faria algo do gênero — o senhor responsável por encontrar a ave esboça um sorriso.

— Muito obrigado por encontrar ele, Wysher — afirma a Suprema.

— Somente fiz meu dever. Qualquer outro que conhecesse Alzádia como conheci faria o mesmo.

O pequenino foi coberto por um pedaço de tecido para se proteger do frio, e seu choramingar por fim cessou.

O momento é de uma alegria genuína e discreta entre o velho senhor e as quatro mulheres, contudo, a mais poderosa sabia que esse era só o início. Aquele pequeno garoto passaria por grandes desafios ao longo da vida, e se tudo desse certo, aquelas bruxas que comemoravam por sua vida não estariam com ele durante o caminho, ao menos não inteiramente, o que é um tanto contraditório.

E assim há de iniciar uma longa jornada de um menino que sequer poderia imaginar o tamanho de sua missão de vida.

Hutbus Island: O Último Herdeiro Onde histórias criam vida. Descubra agora