Prólogo

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           Ande sobre as águas, dizia a música, como fazem as crianças.

          Engraçado, nenhum espírito amigo me permitiu atravessar as ondas.

           E não podia desistir em meio a tempestade.

— O que está acontecendo? — falei entre o arfar e o grito.

         O Versado encolheu os lábios, engolindo a resposta. Os músicos dedilhavam sons graves em seus instrumentos. Com a voz passadiça, ralhei:

— Eu sei que a criança está virada, caramba. Agora faça algo ou vou afogá-lo no vinho que sua ordem tanto presa!

          Com as mãos trêmulas, o homem bebeu dois grandes goles para se acalmar. O bebê em mim também parecia precisar, chutando em ruidosos protestos como se soubesse que havia algo errado ou simplesmente não quisesse conhecer o perigo que o mundo oferecia. A música ganhou um tom arenoso de tempestade, evocando deuses, medos e brumas. O Versado apertou minha barriga e senti a criança ser movida lá dentro. Foi aí que gritei. Muito. Pelas próximas oito horas.

— Parem — ordenei ao grupo musical que se apresentava no quarto. Se não fosse pela música, teria morrido durante o parto, não por raiva da dor, por puro tédio. —, quero ouvir meu filho!

            Um silêncio tão pesado caiu sobre o quarto quanto a noite prateada lá fora. Poderia dizer que amava a criança só por ela ter saído. Estava exausta. Mas aí estaria sendo uma chata por ofício. Nenhuma vivalma parecia respirar no quarto. E o mundo era um sonho ébrio e frio. O Versado de aparência carcomida de maquiagem borrada envolveu a criança num manto com um olhar de suplício. Alívio.

— Me dê! — falei. Não gostava da troca de olhares dos presentes.

— É melhor assim, nit saihs. Com seu status e a situação atual do principado, um bastardo apenas ...

— Meu filho! — lhe interrompi.Me mover para estapia-lo, causou vertigem. — Está falando do meu filho. E enquanto minha casa perdurar, o trono de Qilian é nosso, seu inútil.

— Está morto, duquesa.

          Derrubei o braseiro com uma mão e sementes de fogo protestaram ao se espalhar pelo chão. O metal soou como o sino de uma batida.

Bummm!

— Ele pode ter dado a ordem, mas ao inferno que vou permitir — exclamei. Não sentia a queimadura na pele, desprezo me inflamou a garganta. A tesoura que usaram no parto estava ao lado dele. E no instante seguinte pressionando a garganta do homem. — Verme!

           Embora agarrasse a criatura mirrada entre o manto, o homem patético não conseguiu impedir que o tomasse.

          Passei por algumas mulheres e soldados que tentaram me impedir, mas era rápida. E nenhum deles podia me ferir. Morreriam na primeira marca que deixassem em minha pele.

            As areias ondulavam como o mais branco oceano. Nuvens gordas de barriga rosada arriaiavam flocos de tristeza branca. A criança? A tinha em meus braços. Criatura irritante; não chorava, não se movia. Era minha. Minha. Tinha que acordar. É minha.

           Está errado...

           Larguei-me além dos limites da propriedade, na música de ventos e fantasmas, em passos incertos pelas areias andantes. Guiada pelo fugitivo brilho da lua, em um chão coberto de seus flocos ralados, como se fosse feita de areia pálida, sendo desmanchada por um oceano nublado, deixei que areia e neve nos fizessem cobertor.

          Neve? Ri abraçada ao menino, que não se movia ou chorava. Mas tinha que estar vivo. Ele estava frio. O abracei com lágrimas de raiva. E mais nada.

        Neve?! Está nevando no deserto! 

Príncipe de BarroWhere stories live. Discover now