RUN.

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Lenço tingido em vermelho. Cor originária? Branco.

Branco limpo. Como nuvens em dias ensolarados. Felizes.

A penumbra. A vasta escuridão não dava a visão da criatura próxima; mas, seu cheiro era inconfundível. Era um cheiro de pureza, inocência polida. Bichinho atroz entre terras conhecidas.

Ergue-se o vestido. Expôe-se a derme clara. Soltam-se os fios obscuros dos cabelos bem cuidados e sedosos. A boca sibila coisas incompreensíveis. Os pés arrastam-se pelas estacas de madeira.

Ela canta. Seu cântico desperta a ira do ser assustador que esconde-se. Não era chegada a hora de se rebelar; soltar-se dos grilhões e matá-la de forma lenta e dolorosa.

But...

Maldita era sua boca. Repugnante eram seus dizeres murmurados. A besta fera não procurava por uma salvação. A mocinha era tão apetitosa. Suas curvas, sua carcaça, seu eflúvio que estendia-se por onde passava, sua carne. Como ela haveria de salvar um monstro que a devora com um único olhar distante?

"Se quer que eu vá, mate-me. Voltaremos ao pó. Pediremos clemência ao chegar no paraíso..."

Os olhos brilham. A boca entreabe-se, a ponta da língua umedece os lábios.

"Quer a minha carne como alimento. Meu sangue como bebida. Minha alma, indiferente, não lhe importa agora. Saia das sombras. Somos monstros. Não devemos negar nossas raízes; quer a luta? Quer a glória? Venha. Abocanhe essa aura feminina. Dez pedaços e certas quantias do meu sangue lhe farão sentir viva."

Esgueira-se o corpo. Sai da escuridão. Fita com profundidade o anjo pecaminoso, certamente expulso de seu paraíso. Ela não seria a salvação. Era o próprio pecado.

"Chama meus demônios para conversar, nega-se a encara-los depois. Sussurra com essa maldita voz pedindo para que eu surja, quando dou minha face, olha como quem tem medo. Sou uma aberração, uma besta pronta para consumir seu ser por completo. Pronta para devorar... - Aproximação. Inala-se o cheiro floral dela. Os sentidos aguçam-se todos. - então, para. Porra!"
"Parar?" Sorri. Os dedos brincam sobre o lenço que lhe envolve o pescoço. A atenção recai sobre os mesmos.  "Não posso parar."

Os olhares se cruzam.

Demoram-se. Entram em uma guerra árdua.

"É melhor correr, garota..."

"É fraca demais para controlar seus instintos animalescos e horrendos?"

Dois passos foram dados. Cara-a-cara, angel and demon. As curtas unhas arranham as curvas vistosas, deixando linhas vermelhas e inchadas por ali.

A moça, cuja boca não cessava seus dizeres inúteis, agora tenta correr para longe; seus movimentos são limitados graças a essas mãos que prendem. Machucam sem dó alguma. Ela buscou por isso. E, bem sabe-se: quem brinca com fogo, queima-se.

"Eu não iria te machucar. Minha intenção era adormecer e esquecer o quanto a porra do seu cheiro me deixa fora de mim. Essa carne que aperto, esse sangue que corre por suas veias, essa sua cara inocente... É uma perfeita filha da puta. Quem é tu para dizer como sou? Quem é tu para sentenciar meu ser? É Deus? Não brinque de ser. Tão suja quanto eu. Tão pecadora quanto. E, olhe, nem tudo é lavável. Há coisas que não podem ser encobertas por muito tempo." A voz sai amargurada. Dura. Os dentes semicerram-se, o trincar do maxilar faz a dor se alastrar.

Ela ri. Um riso contido. Em segundos, seus olhos marejam.

"Sabe como somos. Sabe de onde viemos e nosso destino final."

As mãos espalmam a cintura; as curtas unhas riscam cada pedaço em branco. A boca aproxima-se da curvatura do pescoço, a língua umedece a região. Um pouco para baixo. Um pouco mais perto. Caninos expostos encontram seu caminho almejado. Cravam-se na pele. A morde com força.

Um grito estridente ecoa...

Ela tenta se afastar...

Mas, bem se sabe como é um animal com fome.

Quando alimenta-se. Quando sacia sua sede, toma distância Com gotículas de sangue no lábio, um olhar fatal é dado a moça que tanto falava, mas agora estava muda. Assustada.

"Run." Salta boca à fora.

Movida pelo medo natural; a jovem sai em disparada deixando cair em solo hostil o lenço manchado do vermelho sangue.

Deslizam-se os pés humanos.

Firmes os pés da figura animalesca.

Que comece a caçada...

perversità. [ Sáfico +18 ]Onde histórias criam vida. Descubra agora