Capítulo 6 - Liberdade

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Caminhei por entre os cômodos do bunker como um turista em um museu conceituado, me surpreendi com o tamanho dos quartos, com a quantidade de pessoas convivendo em harmonia, a diversidade enchia meus olhos. Ao fundo do corredor outra sala ainda maior me chamou atenção, as crianças brincavam no chão inocentes enquanto os adultos conversavam e faziam tarefas domésticas. Parecia um mundo utópico, onde todos se respeitam, todos se ajudam e trabalham para um bem maior, a comunidade. De repente Laura tocou meu ombro me despertando de meu devaneio. 

-Rafael acordou e quer te ver - disse ela. 

Apenas sorri. Caminhamos por outro corredor em paralelo a sala das crianças, entramos por uma enfermaria e encontrei Rafael sobre uma cama hospitalar, ligado a fios e equipo com soro. A sala branca com conotação de paz acalentou minha alma aflita, ao menos uma notícia boa perante tão confusão. 

-Oi, como se sente? 

-Vivo - ele respondeu ainda letárgico - Porém incompleto. 

Arrastei os olhos pelo lençol branco até o joelho dele percebendo que sua perna foi amputada. 

-Sinto muito - Sussurrei. 

-Antes a minha perna, do que minha vida. 

Senti uma pontada no peito, não sei o que pensaria se acordasse sem parte do meu corpo. Talvez a sensação de luto, ou de incompletude. Porém Rafa me transmite uma sensação de aceitação, como se de fato estivesse feliz em colocar sua vida acima de sua perna que não está entre nós. 

-Sinto muito por sua irmã. 

-Obrigado - ele fez uma pausa nostálgica - Nanda era muito teimosa, tinha personalidade forte, e não aceitava a opinião de ninguém. Mas tinha um coração enorme, era muito inteligente e leal. Também era muito forte fisicamente e não tinha controle sobre suas palavras, causando até mesmo mal estar entre a comunidade. Só lhe faltava um pouco de maturidade para se tornar uma ótima líder. 

Apertei os lábios e a sobrancelha, procurando uma palavra de consolo que acalantasse aquele coração que se desmontava diante de meus olhos com as perdas, como um quebra cabeça perdendo suas peças centrais transcendendo para algo irreconhecível. Seu rosto apático tenta mostrar força, mas seus olhos caídos lamentam e vagam entre o a dor e a nostalgia. De repente Rafael virou o corpo na cama, abriu a gaveta de cima da mesinha de cabeçeira e apanhou um caderno de capa preta. 

-Nanda escrevia o tempo todo, tinha muitas ideias interessantes que nunca mostrou para meu pai, coisas que pra muitos pode parecer um devaneio desconexo, mas creio que diante de um olhar mais crítico trará luz a diversas questões. 

Apanhei o caderno gentilmente, puxei a capa para cima revelando a primeira página e uma frase me chamou atenção. 

-O que são animais noturnos? - perguntei - são os metamorfos? 

-Somos nós. 

Apertei a sobrancelha confusa. 

-O Olimpo não nos considera humanos, para eles, todos que estão fora de seus muros são animais ou objetos de escravidão e prazer. - disse ele - então você deve imaginar o nível de desprezo e violência que nos tratam quando somos capturados. 

-Mas por qual motivo nos identificam como "noturnos"? 

-É a forma deles identificarem as comunidades e saber para qual finalidade utilizá-la quando capturada - disse ele - os zumbis são pessoas chipadas que caminham pelas ruas sem direção, alheios a realidade, são usados em trabalhos escravos, em casas de prostituição e para reprodução. Os metamorfos são usados para segurança, pets, animais de exposição, rinhas e testes físicos. Os animais canibais são mais perigosos para o Olimpo, já que pessoas são sua fonte de alimento, então geralmente são mortos ou são usados em rinhas e deformados para as exposições. Os animais de Deus são os religiosos que não aceitaram a implantação do chip, eles são considerados mais fracos pois não se utilizam de armas para se defender, são utilizados como trabalho escravo, prostituição, reprodução e por vezes são mortos para servir de lição para os demais. Nós somos os animais noturnos porque mudamos nosso hábito de caça para noite, já que durante o dia além de disputar a caça com as demais comunidades ainda somos caças para os canibais e metamorfos. A noite temos apenas um rival, os lobos, que não tem o hábito de provocar confrontos, pois temos uma demarcação implícita de nossas áreas de caça. Assim que a caça ultrapassa nossa área, os lobos se afastam, caso contrário, nos fazemos o mesmo. Há uma relação de respeito com eles, assim não nos tornamos caças também. 

Flores Que Nascem Do Lodo 🔞 (terror / Mistério /Lésbico) Onde histórias criam vida. Descubra agora