Nível 38: Recomeço

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Renata voltou para Curitiba no final de janeiro. Como prometido, nós fomos para todo bar, boate ou festa que ela encontrava. Talvez tenhamos exagerado na quantidade de copos que viramos e bocas desconhecidas que beijamos em algumas noites, mas não fugimos dos limites e eu não me arrependo nem nas piores ressacas. Ter esse momento de irmãs foi bom para superar a culpa pelos meus erros e para lidar com o tempo afastada por causa da tendinite. Só que agora ela está longe mais uma vez, ao menos por enquanto. Então é hora de me dedicar ao meu sonho novamente.

Eu não posso jogar, mas não significa que não tenha nada que eu possa fazer enquanto isso. Volto a fazer o que fizera tanto no começo da jornada. Assisto aos nossos jogos anteriores, partidas de bons times e transmissões de jogadores profissionais. Sempre tem algo que eu possa aprender. Pego o meu livro de Magnólia, como resolvi chamar o caderno que comprei na noite que tomei a grande decisão, e passo por algumas dezenas de folhas repletas de rabiscos até encontrar uma página em branco. Qualquer pequeno detalhe que descubro que posso melhorar ou que possa usar no meu estilo de jogo eu escrevo. Enquanto estudo o jogo, inevitavelmente aparecem ideias de jogadas em time que usam as composições que mais estava acostumada. Eu seguro o lápis a poucos milímetros antes da sua ponta tocar no papel. São jogadas que poderia fazer no Guerreiros do Ipê Dourado e que levam em consideração o estilo de luta dos meus amigos Felipe, Gabriel, Rodrigo e Alex. Sem eles, perdem a razão de ser. Talvez um dia pudesse usá-las novamente, mas eu estou sem time, sem companheiros e sem amigos, e não tenho utilidade para essas informações.

Eu suspiro. Por que eu deixei a conversa decorrer daquela forma? Não precisava ter sido assim. Talvez fosse inevitável que o time mudasse ou mesmo acabasse. Mas perder todos eles de uma vez foi culpa minha.

O que há de errado comigo?

Será que nunca vou conseguir manter laços com amigos?

A culpa volta a tomar conta de mim. Perdi amigos de escola por negligenciá-los em favor do handebol. Perdi as amigas do handebol por causa do meu egoísmo como jogadora. Perdi um amigo do ensino médio porque comecei a jogar Magnólia... Bom, não que me arrependa dessa parte. Tenho certeza que não foi culpa minha e na verdade foi até um certo livramento. Perdi qualquer início de amizade no meu curso da faculdade depois que entrei para o time. E agora perdi os amigos deste mesmo time por ignorar os sentimentos deles. Eu não tenho como vencer, não é? Talvez se fosse até eles, eles me desculpassem. Mas não me sinto digna de fazer isso agora. Rodrigo tinha razão, Alex merece alguém que a trate melhor do que eu a tratei. Eles também merecem uma amiga melhor. Ficarão melhor sem mim.

Eu suponho que nem tudo tenha ido por água abaixo. Desde as férias com a Renata nós voltamos a trocar mensagens mais recorrentes falando dos nossos dias. Ela é um ombro que posso contar para desabafar. E também, eu ainda tenho um amigo. Alguém que perdi a amizade, mas que a cada conversa me sinto próxima novamente, como nos velhos tempos. Se tem alguém que possa entender o que eu estou passando agora, é ele.

Eu pego meu celular e abro a conversa com o Mateus. Eu hesito um pouco, pensando se ele não se incomodaria de ouvir as minhas preocupações. Sacudo a cabeça em negação para tirar essa ideia da cabeça. Se ele se sentisse dessa forma, já teria me deixado de lado há mais tempo em vez de continuar respondendo com toda sua sinceridade. Além disso, não é como se fosse unilateral. Ele também dava o primeiro passo para iniciar conversas e falava sobre a sua rotina, seja ela relacionada com Magnólia ou não. É, é uma boa ideia. Eu vejo que ele está online, começo a digitar e pergunto se está ocupado. Ele responde em negativa e eu explico sobre os últimos acontecimentos com o time. Tenho um pouco de receio de falar sobre meu curto relacionamento com a Alex. Falar com um ex sobre outra ex não é lá a situação mais natural do mundo, mas a essa altura deixamos a nossa história para trás tem mais de um ano. É uma informação importante, então não deixo de mencionar, mas poupo apenas os detalhes de nossos encontros. Não sou de falar da vida privada a esse nível.

Jogue como uma garotaWhere stories live. Discover now