HOJE O DIA É DO CAÇADOR!

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~*~

Eu não sabia o que poderia ser pior: confirmar que de fato meu marido era infiel ou descobrir que duvidava da pessoa errada.

Após minha descoberta, eu cheguei em casa e dormi no quarto de Sofia. Pensava se diria algo a Júlio ou não. Pensava se pediria divórcio. Mas nenhuma conclusão surgia.

E quanto à Hanna?

Acho que fora conveniente pra mim desconfiar de Hanna, afinal, de nós três, ela sempre era a mais desbocada, sexy e que se envolvia com homens comprometidos. Isso pelo que indicava em nossas conversas.

Victória fazia a linha mais tímida, dócil e que vivia reclamando de seu peso. Eu gostava das duas igualmente, mas Vick transmitia a necessidade de ser protegida, mais que Hanna. Hanna sempre soava como alguém forte e resileiente, que não precisaria de alguém para defendê-la.

E olha só ! Vick se mostrou mais rasteira do que qualquer um poderia imaginar.

No dia em que atestei a traição de Júlio, as coisas desandaram de vez. A quetamina tomou um lugar predominante em minha vida, usava regularmente . Isso sem contar o clonazepam para poder dormir a noite.

As vezes preparava a quetamina sem me importar se Júlio ou alguém notaria. Em alguns momentos eu até desejava que meu marido me visse com a boca no pote para, assim, ter um pretexto e finalmente verbalizar tudo que estava engasgado no pescoço.

Pelo contrário. Não confrontei Júlio como inicialmente pensei em fazer. Não tive essa coragem. Me mantive muda, em silêncio, que talvez tenha sido o único sinal que fizera Júlio imaginar sobre minha ciência da sua infidelidade.

Mas se Júlio não abrisse o jogo, eu também não diria nada. Desde muito nova entendia que informação era poder e pressentia que a qualquer momento tal traição se voltaria a meu favor. Não ganharia nada pondo Júlio contra a parede. Apenas iria bancar a esposa traída e ensandecida.

Mas essa minha decisão desencadeava efeitos colaterais, pois o que eu não expressava em palavras se acumulava em ressentimento e mágoa dentro da alma.

Muitas vezes me via exausta e nem entendia o que me exauria daquela maneira. E era isso que me levava a encontrar razões para usar quetamina outra vez.

E a droga funcionava por pouco tempo. Boa parte das vezes eu ia me arrastando para os plantões,  estava completamente desmotivada.

— Sofia está ficando com a sua sogra? — Márcia checava o acesso de um paciente em um dos leitos da observação na emergência.

— Sim. Tenho andado cansada esses dias. Não quero que Sofia me veja mal. — me limitei a dizer.

— Aconteceu algo que eu não sei, Aura?

Márcia veio até mim segurando a Cuba de procedimento após pegar o acesso venoso do paciente. Retirou as luvas de procedimento e as depositou na lixeira.

— Não. Apenas cansaço mesmo. Não se preocupe! Eu tô bem!

Não confiava mais em Márcia ou na amizade dela. Conversaria apenas o básico.

Todavia não era uma tarefa simples esconder coisas de Márcia, e minha exaustão era um sinal claro para ela de que algo Sônia bem comigo.

Eu me esforçava ao máximo para terminar as prescrições dos pacientes, mas por vezes meus olhos se fechavam sem que eu conseguisse controlá-los. Ela percebeu.

— Você não está bem, Aura! Você dormiu essa noite? Está muito pálida para o meu gosto!

Márcia veio para mais perto ainda e ficou me encarando.

— Não estou dormindo direito , minha ansiedade tem de feito passar noites em claro. Ansiedade é a pior coisa. Já aumentei a dose dos remédios, mas acho que não funcionou— Esfreguei os olhos e depois voltei a digitar no computador tentando inutilmente segurar um bocejo.

— Entendi... Ansiedade... — Dizia Márcia em tom reflexivo, repetindo minha fala.

Márcia sentou-se ao meu lado. Ela deveria começar a evoluir seus pacientes.

Porém, a última fala dela, com tom quase irônico, me deixou levemente irritada. E por que não dar uma leve pausa na minha postura pacífica e confrontar Márcia? Talvez fizesse bem aos meus ânimos.

— E que outra coisa poderia ser a causa do meu cansaço se não ansiedade, Márcia? Você Teria algum diagnóstico?— eu sorri irritada, mas não tirei os olhos da tela do computador. Estava preenchendo as lacunas da prescrição.

— E eu disse que poderia ser outra coisa, Aura? Acho que você nao está bem mesmo! Um psiquiatra talvez ajude! Nunca te vi de mau humor como hoje!

Apesar de já completamente irritada com Márcia e seu jeito sarcástico, eu recuei dois passos. O mais prudente seria evitar um confronto direto com ela. Eu precisava de aliados e não de novos inimigos, ainda mais em meu ambiente de trabalho. Afinal, não há nada ruim que não possa piorar.

— Desculpe. Meu humor não está dos melhores mesmo, você tem toda razão, Márcia!

— É, eu percebi. Quem sabe alguns dias de folga não te ajudem a por a cabeça no lugar. Seja lá o que estiver te afligindo, garota!

Nesse instante ela levantou-se e caminhou para a saída. Achei que levantar bandeira branca fosse acalmá-la, porém Márcia parecia disposta a continuar ranzinza e levar a discussão adiante se eu também estivesse disposta.

Verdadeiramente irritante. Como não notei isso nela todo esse tempo?

— Ei, Márcia!

— Diga! — Ela parou à beira da porta.

— Se for pegar café, traga um para mim, por favor. Quero ver se esse sono passa! Não estou me aguentando.— Eu tentei sorrir de maneira cordial.

— Não estou indo pegar café, Aura. Vou para a farmácia. Haverá auditoria na unidade nos próximos meses e fui convocada para a comissão. A reunião começa agora! Desculpe!

A fala dela chamou minha atenção.

— Auditoria? De novo? Acho que não tem nem dois meses desde a última, não é?

— Pois é, Aura. Isso mesmo! Mas parece que as medicações não pararam de sumir, principalmente quetamina. E você sabe o quanto essa medicação é cara. Esses dias um médico pediu quetamina para uma intubação no centro coronariano e não havia nada em estoque, sendo que o financeiro demonstrou as notas de compra da medicação! A direção quer saber onde foi parar a quetamina!

Eu engoli me seco. Será que Márcia vinha agindo diferente comigo por suspeitar de algo?

— Provavelmente vão culpar os médicos, como sempre! — Desdenhei num suspiro de leve revolta.

Marcia forçou um riso irônico.

— Por que talvez seja mais fácil pra vocês terem acesso a medicação que nós, da enfermagem. Basta o carimbo de um médico na prescrição para a farmácia liberar a droga.

— Desconfia de algum médico? — Indaguei fingindo pouco interesse na resposta.

— Acho que não. Até por que a farmácia não tem registro de prescrição de quetamina. Ou seja, É pouco provável ser um médico que esteja prescrevendo quetamina para um paciente qualquer e embolsando as ampolas.

— Estariam roubando a quetamina, então?

— Talvez, Aura. Talvez! Agora me deixa ir que precisamos pegar esse... Infrator!

Márcia deixou essa frase e saiu vestindo seu jaleco de maneira apressada.

~*~

NOTA DA AUTORA

Meninas, lembrem-se que voltamos seis meses, então Márcia ainda era viva, ok?

APENAS UM TRAIDOR - ALERTA! Onde histórias criam vida. Descubra agora