Dia Quatorze

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Eles prepararam o acampamento reunindo todos os suprimentos perdidos na fuga, enterraram os companheiros mortos e até mesmo os corpos dos inimigos, enquanto o ex-Abutre os vigiava, se mantendo por perto, esperando o momento certo de se aproximar. Os olhares de Édgar para Âmbar eram misteriosos, Sarah percebeu enquanto não conseguia fazer Jade desgrudar dela, e que as asas se mantinham abertas, meio alertas pela presença que ainda rondava o grupo ou seria porque ela ainda não estava pronta para falar sobre? Não se sabia.

O trabalho durou todo o resquício de tarde que ainda tinham e uma fogueira foi acesa no começo da noite, então quando eles se sentaram exaustos de uma noite e dia de fuga e medo, as perguntas vieram.

— Não entendo! Não consigo entender o que aconteceu aqui, já fugi tantas vezes desses monstros e nunca vi algo como você, Sarah. O que você é? — Édgar iniciou a conversa após o silêncio ensurdecedor em volta da fogueira.

— Desculpe Édgar, nem eu sei — Sarah respondeu olhando para a chama que tremia com a brisa leve do local.

— Desde quando você tem isso... essas asas? — Âmbar perguntou parecendo me estudar com os olhos.

Jade brincava com elas em seu colo, cutucando as penas ou apenas passando as mãozinhas ao longo delas, enquanto as asas protegiam-nas do frio.

— Desde que acordei no Deserto Cinzento. Elas me trouxeram para vocês quando meu corpo não tinha mais forças para andar naquele lugar — Sarah confessou.

— Como aprendeu a usá-las e porque elas não somem agora? — Édgar interveio.

— Sinceramente? Também não sei. Tem uma voz que fica me dizendo coisas sobre mim e eles... — Sarah apontou para o ex-Abutre que estava logo atrás de si, um pouco afastado do grupo, eles haviam dado um cobertor, mas não conseguiram deixá-lo se aproximar.

O homem agradeceu, se virou de lado deitando-se e dormiu profundamente.

— Uma voz? — Âmbar perguntou — seria o que você sempre chama enquanto dorme? Aava?

— Como você...? — Sarah parou, Âmbar a socorreu tantas vezes que com certeza já teria ouvido sobre — Sim, parece que este é seu nome, antes de perguntarem não sei de onde vem, nem onde está ou o que é.

— Isso é loucura! — Édgar sobressaltou-se — isso é completamente loucura, uma voz na sua cabeça — ele parecia em pânico enquanto balançava a cabeça em sinal de negação.

— Bom, se isso é loucura os corpos que enterramos hoje e o fato dela ter transformado um monstro daqueles em um ser humano novamente me parece loucura coletiva, não Édgar? — Âmbar era o retrato da tranquilidade.

— Olha, eu já vi de tudo em minha vida — ela retomou — e tudo o que vivemos hoje pareceria loucura sim antes do mundo ser devastado, mas agora é realidade, então vamos parar com os ânimos altos e tentar entender o que se passa aqui, como médica posso tentar avaliar a situação. Cuidei de Sarah desde que chegou, e sei que só não morreu por causa de seus "dons", sua recuperação sempre foi muito rápida para a condição em que estava, mas creio que o que mais a afeta é sua condição mental — a doutora havia denotado as asas e forças de Sarah como um presente, um dom.

Sarah emudeceu por um tempo enquanto Âmbar tentava acalmar o mochileiro. A palavra "dom" girava em sua mente, até aquele momento ela tinha medo daquilo tudo, medo das asas a tornarem alguém excluída, medo de sua força ser temida e caçada. Mas quando ouviu "dom" seu coração acelerou, não com ansiedade, com ternura, uma nota doce como se a vida estivesse despertando nele. Como se o que ela carregasse fosse mais importante que qualquer coisa. Talvez só tivesse encarando aquilo da forma errada o tempo todo.

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