Capitulo XVI - Dia 8

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Ano 2022, o dia depois do sétimo.

PARECIA SER O FIM DO MUNDO, E POR UM MOMENTO EU REALMENTE ACHEI QUE SERIA. Do lado de fora da indústria More Health, um aglomerado de pessoas  comovidas com a minha entrevista vieram, solidários, demostrando apoio a minha luta que no fim das contas era justa. Ergueram cartazes com o meu nome e o de Yelena pedindo a nossa união, e esse manifesto foi uma das coisas que me ajudaram a chegar onde estava naquele momento: Dentro da More Health. Bem na frente do cacifo que abrigava a roupa protetora disponibilizada para que, enfim, eu pudesse entrar no quarto de Yelena.

Mas apesar da conquista eu não estava feliz...

Lembro que  encarei o meu reflexo num pequeno  espelho retangular colado à porta do cacifo e pensei: "Pode ser a última vez que me vejo completo." Sabia que quando Yelena partisse levaria uma metade de mim. Isso me destruiria. Abri a  porta de metal, entristecido, encarei o traje dentro do armário, preparado para mim, para que eu usasse como barreira entre mim e a pessoa que mais queria ter por perto. Uma medida de segurança que oprimia os meus sentimentos.

O coração se apertou.

Não pude deixar de notar a infeliz ironia que fazia daquele um dos momentos mais difíceis da minha vida. E eu já explico por quê:

No meu primeiro encontro com Yelena fiz a exata mesma coisa. Encarei o meu reflexo num espelho colado à porta do meu armário de roupas antigo, suando frio, falando frases como: "Vai lá e seja você mesmo, eu sei que vai dar tudo certo." No intuito de me encorajar e acordar o melhor de mim, que parecia adormecido. E até resultou. Lembro que quando abri a porta do armário e escolhi uma roupa, eu já estava confiante. Sabia que aquela seria a primeira de muitas vezes que me vestiria para sair com Yelena. Acreditava que teríamos uma vida inteira de jantares, encontros e aniversários de casamento para comemorar.

E assim foi...

Só que agora, o espelho sobre a porta do cacifo refletira um Lúcio desesperado. Os jantares de aniversário já não eram projeções do futuro e sim lembranças. Quem eu sonhava conquistar já havia passado em minha vida como uma brisa revigorante que acaricia o rosto de quem encontra e segue rumo ao horizonte. Boa enquanto dura, mas a partida eminente traz a sensação de ter durado pouco.

As lembranças do passado só tornavam o presente mais difícil de ser encarado. Este último encontro simbolizaria o fim de uma história que começou com um sorriso banguela, um chapéu voando ao vento e um rio. Mas que com o tempo ganhou vida e trilhou caminhos diferentes do planejado.

Lembro que encarei o traje de proteção por um tempo, toquei o tecido e senti sua textura plástica. A sensação foi ruim. Respirei, relutante, deixei que o silêncio tomasse conta do vestiário em que estava. Na cabeça, pensamentos de objeção se inflamavam, protestos internos contra a roupa a frente de mim, contra as limitações entre mim e Yelena e contra o fim. Nada disso parecia ser justo.

Enquanto os cafungo abafados do meu choro soavam, ruídos provenientes dos manifestos lá de fora começaram a revoar o lugar. A tensão aumentava na avenida e ali dentro também. Lá fora, pessoas gritavam ao meu favor exigindo o direito que tinha de ver Yelena pela última vez. Enquanto dentro, o protesto era diferente.Ver Yelena pela última vez era o problema. Não conseguia aceitar.

O tempo passou e eu permaneci ali paralisado, sem valentia para enfrentar o "adeus." Me refugiei em lembranças por minutos até a coragem brotar da indignação. Então, estendi minha mão e meus dedos alcançarem a roupa protetora, mas antes mesmo que a retirasse do cabide uma delicada batida na porta me interrompeu, voluntariamente. Me virei para ver o que era e vi Bradford brotar da porta e mirar seu olhar sério para mim. Ele parou bem na entrada e permaneceu em silêncio, provocando minha inquietação. Menezes entrou logo em seguida, com seu olhar afetado e mãos abraçadas. Minha inquietação se transformou em incompreensão.

Até Que MorramosWhere stories live. Discover now