𝙂𝙖𝙩𝙞𝙡𝙝𝙤𝙨

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Pov Wanda

A mudança não foi nada difícil. Eu ainda não tinha aberto a maioria das caixas que trouxe de Nova York. As únicas coisas que saíram delas foram algumas calcinhas, uma calça de moletom, uma camiseta e as tigelas de ração de Lucky, que pulou no banco do passageiro do carro mais rápido que um foguete, com a coleira presa nos caninos. Só faltou apertar a buzina para que andasse logo. Minha mãe já estava deixando até o cachorro de saco cheio. Mas assim que percebeu que eu seria responsabilidade dos meus irmãos, seu amor diminuiu um pouquinho, e até gritou comigo para pôr o cachorro no banco de trás. Talvez me mandar para a casa dos meus irmãos fosse seu plano o tempo todo.

Deixei San Diego rumo a Los Angeles sem um pingo de remorso, mas também não estava animada para me hospedar no "chiqueiro", apelido carinhoso que minha mãe usava para falar sobre o apartamento que meus irmãos dividiam com mais duas amigas. Dei tchauzinhos nada animados, para um pai lacrimejante, uma avó chorosa, e uma mãe realmente feliz por me ver partir.

Pois é, fugi de novo, mas dessa vez era de mim mesma. Meus irmãos tinham razão, eu não podia me destruir, já bastava outras pessoas fazendo isso comigo. Terem minha colaboração já passava dos limites. Eu tinha planos. Um monte deles. E pensei em todos durante a viagem.

Precisava arrumar um emprego urgente. Conferi de manhã minha conta bancária e vi que meu último salário tinha caído na conta, sem nenhum desconto, afinal, eu havia tirado férias de trinta dias pelo casamento, mas precisava tomar vergonha na cara e ligar para minha chefe logo, pelo menos para explicar a situação. Não que ela não soubesse, pois ela e o marido estavam sentados na igreja no dia em que meu pesadelo particular começou, mas era necessário e educado da minha parte explicar da minha própria boca que eu preferia comer pernas de barata frita a pisar em seu escritório novamente. Depois podia relaxar e tentar me divertir até conseguir vender o meu apartamento, que graças a Deus, já estava em uma imobiliária. Pietro não perdeu tempo e resolveu tudo para mim na primeira segunda-feira desde que vim embora. Agora é só esperar e tentar não ficar louca morando com um monte de gente. Duas já eram demais; quatro, seria uma provação!

Cheguei ao endereço graças ao GPS do celular. A rua era linda e arborizada, com várias palmeiras. Eu me senti calma e relaxada só de olhar. Seria uma ótima paisagem para se observar todos os dias ou mesmo para ser a última vista que eu teria do mundo se aceitasse o conselho da minha mãe e realmente decidisse pular da janela. O prédio de número 100 é uma construção nova, pintada de branco. Um prédio de luxo, com certeza.

Não consigo me lembrar do nome das colegas que dividem o apartamento com meus irmãos, muito menos qual delas é a dona. Engraçado, parando para pensar, nunca tive curiosidade de saber quem são elas. Acho que estava muito ocupada com a minha vidinha "perfeita", para prestar atenção nisso, mas teria sido conveniente nesse momento. Afinal, eu vou morar com elas.

Deus permita que elas não tenham chulé, mau hálito ou a mania de deixar a caixa de leite vazia na geladeira. Rezo antes de entrar: eu prometo ser uma boa menina. E parando para pensar, o Senhor está em falta comigo, não está?

Estaciono na porta do prédio e desço sozinha para me informar sobre as vagas e pegar a chave. Tudo isso contra a vontade de Lucky, que começou a latir feito doido. Dou de cara com um senhor jovial de aparência simpática lendo um livro na portaria.

— Bom dia. — Anuncio minha presença para o homem, que de pronto abandona o livro e me olha por cima dos óculos.

— Bom dia, querida, em que posso ser útil?

— Eu estou... — Como eu vou explicar? — Vindo passar uma temporada com meus irmãos. — Boa, ninguém precisa saber que eu não tenho mais casa, autoestima, dinheiro, emprego ou uma geladeira para chamar de minha. — Eles disseram que estariam fora no fim de semana, mas que deixariam a chave do apartamento na portaria.

𝙍𝙚𝙙 𝙃𝙖𝙞𝙧 - [𝘞𝘢𝘯𝘵𝘢𝘴𝘩𝘢]Onde histórias criam vida. Descubra agora