Capítulo 01 - Sobreviventes

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Durante o inverno muito lixo flutuava pelo córrego que passava debaixo das palafitas construídas pelos ribeirinhos dentro das sacolas jogadas pelos moradores das partes mais altas da cidade, era uma quantidade tão grande que causava espanto em quem tinha a má sorte de ali viver.

No final das chuvas, quando finalmente cessavam os temporais dava um trabalho danado retirar toda aquela sujeira que ficava presa na maioria dos esteios que sustentavam as moradias construídas dentro da água no verão.

Numa daquelas construções de madeiras apodrecidas pelo passar do tempo se encontravam mãe e filho sobrevivendo como podiam por várias décadas. Eulália e Pedrinho habitavam num pequeno casebre, medindo cerca de oito metros quadrados.

Cujo telhado coberto com telhas antigas de barro cru costumava gotejar sempre que o inverno chegava e as chuvas tornavam-se mais frequentes. Sua rotina diária era deixar o filho pequeno com a vizinha enquanto realizava trabalhos diversos nas residências dos grã-finos em troca de alguns trocados que mal dava para manter o sustento dos dois.

As coisas melhoraram depois que o prefeito mandou construir uma pequena creche nas imediações do lugar que permitia com que as mães deixassem ali suas crianças enquanto trabalhavam, dessa maneira elas estudavam e as mães ainda recebiam uma ajuda de custo do Governo para mantê-las em sala de aula. Foi então que minha mãe foi incentivada por outras mulheres a matricular o menino.

— ...É sim, mulher, coloca teu filho lá que já é uma grande ajuda! — Advertiu uma das moradoras

— Com certeza, eu já matriculei meus três meninos! — Acrescentou a outra

— Está certo, vou fazer como vocês estão me aconselhando, amanhã vou pedir licença a patroa e na quarta-feira eu falto o serviço para resolver isso

— Boa ideia, minha vizinha, essas coisas a gente não abre mão!

A mulher ainda não tinha chegado aos trinta anos, mas parecia bem mais velha devido a vida desgastante que levava, não tinha quase descanso, alimentava-se mal e perdia muito.

Levava uma vida desgastante, perdendo sono ao ter que trabalhar o dia inteiro e ao retornar na parte da noite ainda cuidar do pequeno Pedro e da organização do barraco velho onde moravam juntos.

Havia engravidado do menino dez anos antes, período em que foi abandonada ainda durante os primeiros meses de gestação pelo marido que a trocou por outra. Desde então teve que assumir duplo papel na criação do filho, atuando como mãe e pai, duplicando dessa forma sua imensa responsabilidade. A inteligência da criança era notória e logo aprendeu a ler e escrever, era apaixonado pela leitura e se encantava com as histórias de seus livros.

Tudo ia bem, havia chegado o verão e as chuvas fortes se foram dando lugar às lindas manhãs de sol e logo cedo era possível ouvir o cantar dos pássaros nos galhos das árvores ao seguir de mãos dadas com sua mãe em direção a creche, local onde tia Raissa lhe ensinava a escrever novas palavras e fazer contas na aula de matemática.

Porém, o inesperado aconteceu naquele fim de tarde, quando um dos moradores embriagado causou o incêndio de um dos barracos. O fogo deu início debaixo de um forte soprar dos ventos que normalmente se manifestava por ali naquele horário e logo se espalhou por todos os outros casebres numa velocidade incrível, tão rápida foi a ação das chamas que mal deu tempo de alguns moradores conseguir salvar a própria vida.

O Caveira VermelhaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora