Representantes

Prólogo: O gato e a Estrela

Em um mundo, onde todos são diferentes, não tão parecido com o nosso...

Ele acaba de abrir o velho portão. Um portão de grades com vinhas que se aventuram ao longo das barras de ferro descamado. Naquele lugar, reinavam apenas as mais belas cores. A relva verde brincava com as flores. Tulipas, Rosas e Adônis valsavam ao ritmo de uma leve brisa.

O estranho caminhou pela velha estrada de tijolos, outrora bela e de tom único, agora alguns de seus soldados haviam desertado e tinham seus postos ocupados por pedaços da mata cuidadosamente podada.

Caminhando pelo bosque, escutando os pássaros, olhando sempre em frente. Nunca para trás, jamais para trás. Chegou a uma fonte de águas límpidas, onde enxergava-se os desejos mais belos de todas as almas, se assim fosse permitido chamá-las.

A figura então observou aqueles desejos. Observou até que o próprio jardim esquecesse dela, observou até as vinhas se pararem de crescer, observou até  a relva cansar de brincar e os músicos pararem de tocar. 

Ficou lá por tanto tempo que até as estrelas começaram a reparar nele. 

Então um dia, a mais curiosa delas pediu permissão à lua e desceu para importuná-lo.

- Er... Com licença! - Ela estava estranhamente contida em sua presença. - Sou Zeta, filha de Orion e Mahina. A muito eu e minhas irmãs a muito nos perguntamos, o que tanto lhe agrada entre os desejos dos outros?

A figura, que havia esquecido da própria existência, virou-se.

- Sabe estrelinha - a voz era embargada, rouca e... havia algo mais nela - não são apenas desejos, são sonhos. E assim como você e suas irmãs, enchem de esperança aqueles por mim dominados. Mas, algumas vezes, algo assim nasce.

Ao aproximar-se da criatura, a jovem estrela percebeu que se tratava de um bastet. Os humanos os chamam de gatos, eu acho.

O gato então sorriu, sorriu como um louco. Ou talvez, o sorriso fosse louco.

- Veja, é isso que me intriga. - Ambos sabiam que eram contra as regras, mas quem havia feito as regras? Então o gato pegou um dos sonhos, um colar simples com um coração de safira que reluzia ao luar. - Embora seja eu que o esteja segurando, seu brilho não diminui. Algo assim é raro e poderoso. Mas também é tolo e ingênuo, sim... Tolo como um demônio.

- Ainda assim, é só um sonho, não é algo real. 

Fato que, poucos podiam adentrar aquele lugar, menos ainda podiam ter os sonhos dos outros em mãos e viver para contar.

 - Como alguém importante como você abdicou de suas funções por tanto tempo para tratar de... Bem, de nada!

O sorriso do gato só aumentou. Embora não fosse agradável, era cativante. 

- E é por isso que eu sou mais importante que você pequena estrela. Não sabia que para um grande sonho ser realizado, muitos outros são destruídos?

Por ser uma estrela, Zeta naturalmente ajudava os outros a realizarem seus sonhos -ou simplesmente os fazia esquecer que um dia os tiveram - assim, viu uma oportunidade de se divertir um pouco. Afinal, era muito curiosa e tudo que queria era uma desculpa para ir ao outro lado.

- Se está tão certo do que diz, me dê esse sonho. Farei com que se realize sem causar mal a ninguém. E, quando eu conseguir, você pode muito bem fazer uma faxina nesse lugar. - Uma proposta ingênua, de uma jovem imortal que só queria uma aventura

Com um sorriso de orelha a orelha, o gato disse:

- De acordo. No entanto, caso falhe e esse sonho destrua outros, bem.. Eu gostaria de conhecer suas irmãs.

Embora fosse comum que outras criaturas desejassem conhecer as estrelas, muitas poucas conseguiam. Sendo assim, Zeta aceitou o acordo. 

O gato então colocou o colar na jovem e caminhou até onde outrora existia um belo caminho de tijolos.

- Ah! Só mais uma coisa, estrelinha. Esperança e medo não são tão distintos quanto pensa. Na verdade, estão do mesmo lado da moeda. - Dito isso, pouco a pouco o gato foi desaparecendo, mesclando-se à escuridão. Sendo seu grande sorriso o último a sumir...

Confusa, mas com um propósito, a estrela tomou seu rumo para o outro lado.