Capítulo 2 - A casa na árvore

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Aquele gato não era dela, a não ser que seus pais tenham esquecido de mencionar o novo inquilino. Pouco provável.

- Como você veio parar aqui em cima amiguinho? - Eles estavam no décimo andar e nenhum de seus vizinhos tinha um gato preto. Pelo menos até dois meses atrás. - Vem cá, aí é perigoso.

Rose pegou o animal e com ele sentou-se em sua cama. Seu pelo estava muito bem escovado para ser da rua, mas era impossível ele ter entrado pelo lado de fora, as janelas de cada apartamento eram muito distantes umas das outras.

Ela estava prestes a se levantar e perguntar para os pais se haviam comprado o animal durante as férias quando ele pulou da cama e foi novamente até a janela. Alí ficou, encarando-a com aqueles olhos tão... Fofinhos?

Achando tudo muito estranho, mas longe de sentir medo da situação, Rose foi até a porta para perguntar sobre o suposto novo integrante do apartamento. No entanto, não encontrou o pequeno corredor que levava à sala. Ao menos não a sua sala.

Seu quarto permanecia o mesmo, mas agora dava para um cômodo circular feito de madeira com pequenas janelas redondas que a luz do sol atravessava. Absolutamente tudo ali emanava simplicidade, e a távola no centro estava abastecida com comida, desde frutas e sucos até elaboradas tortas e bolos com 3 andares. Era como se alguém estivesse a esperando.

Olhando para trás, ela viu seu quarto ainda escuro e os dois olhos amarelos. Observando-a.

Estranhamente desconexa da bizarrice do evento, e encantada pela beleza rústica do grande e único como circular, Rose pegou um pedaço de uma torta de maçã e foi lentamente até a porta.

A garota nunca tinha visto nada igual.

A casa ficava em uma árvore gigante, possivelmente maior que seu prédio, e existiam mais moradas iguais aquela por todos os gigantes galhos, pássaros cantavam e borboletas voavam. Mas aparentemente não havia outras pessoas ali.

Ao longe, era possível ver outras árvores parecidas com aquela, todas separadas por pelo menos cem quilômetros, visíveis graças ao seu tamanho. Seguindo pelo espaçoso caminho que ligava todos os galhos até o chão, Rose observava cada detalhe da paisagem.

Gostaria que não estivesse sozinha ali, não sabia exatamente de quem queria companhia. Certamente não o misterioso gato que ficará no quarto. Seus pais eram adultos, o que significava que tentaram entender a falta de sentido naquilo tudo, o que significava dor de cabeça para a garota.

Talvez Jorge, mas suas opiniões divergiam muito e com tanta frequência que seria impossível prever se ele surtaria ou seguiria em frente com ela. Afinal, sempre que pensava entendê-lo, ele a surpreendia se afastando ou se aproximando excessivamente. E isso, ou a decepcionava ou deixava com muita raiva.

Isso tudo não devia passar de um daqueles raros sonhos onde a se tem consciência da situação e pode simplesmente desfrutar do mundo que se encontra até ser jogada na dura realidade. E se esse fosse o caso, ela iria aproveitar cada segundo que tivesse, já que era segunda feira e amanhã teria de voltar ao inferno do colégio.

Então chegou uma bifurcação. Um lado a levaria até o chão e o caminho de terra além dele, enquanto o outro adentrava no tronco. Rose escolheu o segundo e chegou em um grande salão, com alguns galhos finos e murchos em uma redoma de vidro no pedestal central.

Por volta do salão, que parecia ocupar todo o diâmetro do tronco, ficavam entalhados na madeira diversos animais. Eram ao menos vinte e em cima das estátuas haviam símbolos e desenhos das mais diversas criaturas. Ela conhecia algumas, como uma quimera e um cavalo de oito patas, mas outras pareciam feitas só de cabeças humanas, de modo a ser incompreensível para ela.

- Já que está sonhando, não tem problema se gatos falassem, não é? - Virou-se de súbito só para ver o gato passando por ela, indo na direção do pedestal - Odeio acabar com sua diversão queridinha, mas quando você passa horas olhando as estrelas, nenhuma delas te olha de volta. Elas têm mais o que fazer, sabe?

Como uma experiente sonhadora Rose sabia que, se quisesse permanecer alí o máximo de tempo possível, não deveria anunciar a consciência que tinha da situação. Além disso, por ser um sonho, ela devia estar no controle da situação. Então seguiu conversando com o felino.

- Bom, eu nunca achei que elas fossem me respondessem mesmo. Mas não é isso que eu esperava que um gato dissesse.

- Era exatamente isso que eu esperava que você dissesse senhorita bury - A única pessoa que a chamava de bury era Jorge, isso foi suficiente para incomodá-la, e o gato sabia disso. - Antes que comece a fazer suas perguntas, chegue mais perto.

- Não são todos que me chamam pelo sobrenome da minha mãe. - Desconhecendo o perigo, ela aproximou-se.

- E não são todos os gatos que falam, agora veja esse pequeno jardim.

A garota chegou até a cúpula de vidro, o gato então pediu que ela tocasse as frágeis flores.

- E porque eu deveria fazer isso? - Estava um pouco desconfiada. Afinal, gatos pretos não tinham a melhor das reputações. - Sabe, não parece que acaba bem... Mexer no que parece ter sido feito para ser deixado aqui. Sem falar que essas estátuas estranhas não ajudam muito.

- Realmente, não posso prometer que vá gostar das consequências. - O gato abriu um sorriso, com uma boca que não era exatamente de gatos. - Tocar as flores vai ser doloroso, porém recompensador. Se quiser continuar apenas sobrevivendo dia após dia, basta voltar ao seu quarto e estará em casa assim fechar a porta. Mas se quiser começar a viver Rose, significa que vai ter de sofrer também.

Aquele maldido sabia mesmo onde bater para machucar. Ela refletiu um pouco, em vão, pois lá no fundo sabia que ele tinha razão. Estava na hora de viver um pouco, e não importava o que significava obedecer aquela criatura. Estava disposta a correr o risco, então tirou a barreira de vidro.

- Acho que essa é a parte em que seu pesadelo começa. -Disse o gato, no momento em que tocava as delicadas flores, os galhos crescem rapidamente por sua mão, entrando em seu braço. Eles queimavam tudo que tocavam pelo caminho. Ela estava gritando. - A dor que sente é bem real para um sonho, não é? Infelizmente não existe outro modo de fazer isso, me desculpe.

O gato não estava nem um pouco arrependido, mas Rose estava gritando e não ouvia nada enquanto seu corpo era invadido pelos galhos, ela sentia seu peito queimando, então o pescoço e as pernas. Logo seu corpo todo estava preenchido por dentro pelos galhos, e ela não conseguia sequer se mover, pois tudo queimava. Seus olhos foram se fechando pouco a pouco. Tinha a vaga noção do gato aos seus pés, assumindo aos poucos uma forma humanóide, enquanto sua consciência se apagava.

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