Capítulo 1 - Rose Glastonbury

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Era o primeiro dia do último ano escolar de Rose.

Ao contrário de seus amigos, que se divertiam com jogos de futebol ou noites de cinema onde o filme quase nunca era o foco principal, ela passava suas férias de verão estudando sobre as grandes civilizações antigas, melhorando suas habilidades em matemática ou aprendendo a jogar xadrez com seu avô. O senhor de 83 anos tinha um pequeno apartamento na zona norte da capital, onde Rose passou dois meses mais consigo mesma do que com o homem.

Agora, se perguntava se realmente valeria a pena todas as madrugadas em branco onde aprendera sistemas de criptografia com matrizes, o sistema de escrita dos fenícios ou arquitetura contemporânea. Fato é que, em troca de noites a fio com livros e artigos pela internet, ela ficou com o horário completamente desajustado e carência de interações sociais. Podia até conviver com o sono que a torturava, mas certamente suas amigas iriam enchê-la de perguntas sobre como fora a suposta viagem à Suíça que fizera com os pais. A qual, é claro, não fora.

Sua nova classe era o Terceiro D, na sala 49 do segundo andar. Por sorte, sua turma continuava a mesma dos outros anos, o que significava que o período torturante, no qual as pessoas tentavam agradar umas às outras só para não se sentirem excluídas, poderia ser pulado. Haviam passado por isso dois anos antes.

O primeiro a tocar no assunto da viagem foi David, o simpático garoto que mantinha uma boa reputação com grande parte da escola. De certo que, a viagem tornara-se um tabu somente na cabeça de Rose, passar tanto tempo sozinha não ajudou muito com a volta repentina ao seu grupinho de amigos populares.

Depois de algumas mentiras sobre as belas paisagens e os nativos tão receptivos, Clair já estava se gabando de como havia ficado com vinte caras na festa da noite passada. Aparentemente Nimue, uma garota do segundo ano, chamou mais de cem pessoas para o clube de campo do pai.

Passadas duas horas dentro da nova realidade, Rose estava pronta para sair pela janela mais próxima e voltar para aquela sala onde a luz do sol era filtrada pela delicada coberta bordada que, por algum motivo que ela não sabia, cobria a parede de vidro. O estranho sentimento de paz que aquele momento lhe proporciona fora um dos grandes motivos pelo qual ficará na casa do avô.

Ela não se importava de verdade com nenhum dos colegas além de Jorge, com quem tinha mais história do que se permitia lembrar, mas não havia alternativa à monótona rotina na qual acordava toa manhã para ir ao colégio, chegando em casa somente depois do sol se cansar de espera-lá.

Embora, para ela mesma, parecesse idiotice se incomodar com uma rotina repetitiva quando tantos outros tinham até menos que isso, Rose ainda sonhava com algo mais... Algo... Algo como um mundo novo, uma terra longe de pessoas más, onde ela pudesse sair de casa e brincar cercada de amigos que a aceitariam por ser quem quer que ela quisesse ser, ao contrário daquela escola, de seus pais. Talvez, no mundo todo, ela só confiasse em uma pessoa para contar seus segredos. E, às vezes, nem isso.

Passado o dia de inutilidades, afinal todos os anos as primeiras aulas dos professores se resumiam a apresentações de slides baratos sobre o curso, Rose foi para casa de seus pais.

Ela mantinha uma relação decente com a família, amorosa para aqueles de fora, mas nunca retribuía um "eu te amo" de nenhum deles. Lá no fundo, ela sabia que era diferente, e tinha muito medo de ficar parecida com eles quando crescesse.

Por mais que tivesse passado as férias com o avô em sua fortaleza da solidão, isso não a tornava inalcançável para seus responsáveis que frequentemente ligavam ou tentavam visita-la quandoela estava convenientemente dormindo, tomando banho ou usando a desculpa mais razoavel ao mometo para não interagir com ninguém além do velhinho.

Depois do jantar e de alguns comentários desagradáveis sobre como devia estar arrependida de perder a viagem para o exterior, Rose foi até seu quarto. O costume de trancar a porta, tirar a proteção da janela, apagar as luzes e olhar as estrelas por horas começara a alguns anos, as vezes, ela sentava na beirada da moldura, observando o céu noturno e os espaços entre as estrelas, desejando um dia estar livre de toda essa vida que não lhe agradava nem um pouco.

Como seria viver na Grécia antiga? Ao lado de tantos ícones que até hoje inspiram a humanidade. Ou no Novo Império egípcio, quando Cleópatra governava. Viver na Bretanha nos tempos da cavalaria, e descobrir se a grande espada mágica do rei Artur de fato existiu. Ela não se importava que a maioria dos contos se tratassem apenas de ficção. Queria estar em qualquer lugar onde acordasse com vontade de viver por si mesma, não só... Sobreviver a mando dos outros.

Perdida em pensamentos, permaneceu olhando a beleza das estrelas até tarde da noite.

Foi quando percebeu, no canto da janela, duas estrelas amarelas isoladas das outras.

Tal qual os olhos do gato preto a sua frente.

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