Quem de Nós Dois

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Esse é o problema das coisas que somos privados de viver: quando existe a possibilidade de termos, é impossível pensar em outra coisa. E essa era mais uma oportunidade. Uma oportunidade da Giovanna esfregar na minha cara o que fomos impedidos de viver. E se existe culpa no cartório, está no meu nome.

Quando eu a toco, sinto todas as coisas. Todas as coisas ao mesmo tempo. Sinto a paixão do Stenio, a vontade do Romero. Sinto nossa música favorita me atravessando como se fosse a primeira vez. Naquele toque, tudo me invade.

As memórias vividas, as que eu inventei para tornar isso tudo menos doloroso. Sinto raiva. Será que alguém te toca como eu te toquei, Giovanna? Será que você ainda sente tudo, assim como eu?

Quando a toco, sinto que ela já sabe que sou eu. Quando chamo seu nome, ela demora para se virar, é quase como se estivesse lutando contra a vontade de correr na direção oposta. Mas ela não o faz. Apenas se desvia do meu toque e me devolve um aceno com a cabeça.

- Você pretendia ir embora sem falar comigo, é isso? - Questiono. E realmente acredito que seja verdade.

Ela sorri, um tanto quanto sarcástica.

- O que você esperava?

Eu não sei o que esperava. Na verdade, sei. Eu esperava que os últimos anos tivessem sido diferentes. Eu esperava não ter tanto medo. Eu esperava não ser o cara que eu sou.

E como é que esse cara pode estar aqui esperando que uma mulher como a Giovanna diga que ainda espera por mim? É muita burrice. É egoísmo.

- Vamos tornar isso o mais fácil possível pra nós dois, Alexandre. Por que não? - Ela olha pro chão, evitando me olhar. - Você fez as suas escolhas nos últimos anos. Ela foi a sua escolha. Você é um homem casado. Casado.

Ela dá ênfase e me olha com raiva. E mesmo que pareça impossível, ela ainda fica mais bonita assim...

- Não faz isso. - Eu me aproximo, ela instintivamente dá dois passos pra trás. A distância entre nós me corrói.

- Não faça isso você. - Ela praticamente cospe as palavras na minha cara, aumentando o tom. - Se responsabilize pelas escolhas que VOCÊ fez.

Sinto os olhos dela em chama. Ela me odeia.

- Me desculpa, você sabe, eu não deveria... - tento me explicar, sobre o casamento, sobre as escolhas posteriores, e ela me interrompe.

- Não faça dessa novela mais um circo, Alexandre. Vamos deixar as coisas bem claras, mais uma vez: nossa relação é estritamente profissional. Não me interessa saber sobre o seu casamento, suas viagens, seus casos extra conjugais e nem nada disso. Fique longe de mim.

Sinto que ela guardou tudo isso durante todos os últimos anos. Quem poderia culpa-la? Ela não está errada: eu sou um homem casado. E ainda assim, sinto meu corpo incendiar cada vez que ela está por perto. É inexplicável o que ela consegue fazer por aqui.

- Só me deixe dizer uma coisa. Apenas uma coisa... - Eu digo, baixo, enquanto tomo uma das mãos dela, que evita me olhar nos olhos. - Olha pra mim, Giovanna.

Os olhos dela me encontram. É difícil explicar o que acontece comigo toda vez que essa mulher me olha.

- Não precisa me perdoar, porque eu nunca vou.

Sinto nossos corpos se aproximando, ela luta contra a vontade de ficar. Mas de alguma forma, nós sempre ficamos, ainda que correr na direção oposta seja a melhor escolha a fazer.

- Nunca vou me perdoar por ter perdido você.

Eu sussurro. Nossas testas se unem, nossas mãos se entrelaçam, nossos corpos são um só. Consigo ouvir sua respiração nervosa, enquanto o cheiro inconfundível do cabelo dela toma conta de mim. O cheiro do cabelo dessa mulher... Correr na direção oposta não é mais uma opção.

Minhas mãos colocam uma mecha de seu cabelo atrás da orelha dela. Ela está completamente entregue, assim como eu. Minhas mãos encontram os cabelos dela, de novo, como se fosse a primeira vez. A vontade é insuportável. As mãos dela alcançam meu pescoço. Insaciável. Posso sentir o corpo dela arder em cada movimento, assim como o meu.

Ouço passos próximos, conversas e risadas altas. Um flagra nesse nível seria o nosso fim.

Ao ouvir, ela se afasta sem olhar pra trás e eu a assisto caminhar até se afastar. O cheiro inebriante do cabelo permanece em meu corpo. A sensação de nossos corpos se tocando ainda está presente.

Penso no que disse uma vez, e em como é verdade...

Ela é um oceano inteiro.

Desatando NósOnde histórias criam vida. Descubra agora