prólogo; garoto estranho.

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Daegu sempre foi uma cidade pequena e tranquila, poucos habitantes, todos se conheciam. Provavelmente a cidade com menor taxa de criminalidade da Coreia do Sul, não era muito falada, só quando vez ou outra, alguém que nasceu aqui se tornava uma celebridade de sucesso.

Porém, Daegu estava prestes a se tornar uma cidade muito falada, não só na Coreia, mas no mundo inteiro.

No dia 31 de dezembro de 1999 às onze e quarenta da noite, beirando a virada para o ano 2000, uma mulher de 20 anos deu a luz a um garotinho, em casa mesmo, com o auxílio de uma parteira. Seria apenas mais um nascimento de uma criança perto do ano novo, se esse garotinho não tivesse nascido com algo que ninguém sabia que sequer era possível, algo que ninguém nunca ouviu falar nem nas maiores histórias fictícias, algo que ninguém acreditaria que existia se não tivessem visto com os próprios olhos.

O garotinho nasceu com um coração de vidro, você não leu errado. Era literalmente um coração de vidro, que ficava metade para dentro do seu peito, e a outra metade para fora. Dentro dele havia um brilho inexplicavelmente bonito, em tons de dourado, prata e azul. Esse brilho pulsava e fazia todo o papel de um coração normal.

Assustados com aquela característica, SunHee, a mãe do garoto, foi levada para o hospital mais próximo. Ao chegar lá, nem o médico mais velho e experiente sabia explicar como aquilo aconteceu, como que aquilo existia, como aquele garotinho estava perfeitamente saudável e vivo mesmo com um coração de vidro dentro de si. Parcialmente dentro de si, na verdade.

Claro que não demorou muito para essa notícia percorrer o mundo todo, pessoas saíam de seus países para verem com os próprios olhos o tal garotinho do coração de vidro. O chamavam de pequeno anjo, pequeno milagre, às vezes, aberração. O garotinho cresceu com toda essa atenção da mídia, até que começou a se tornar um pouco invasivo, sua família começou a se preocupar com a infância que o garoto teria.

O pequeno anjo logo completou sete anos de idade, fartos de todo aquele sufoco, a família começou a dizer que o coração dele havia se tornado um coração normal. Ele usava roupas de tecido grosso para que o brilho não escapasse e assim, aos poucos, as pessoas foram se esquecendo dele, como se esquecem de qualquer criança que faz sucesso.

Hoje, esse garotinho tem 22 anos de idade. Ainda vive em Daegu, trabalha num pequeno mercadinho do seu bairro e mora com sua mãe e seu primo.

Ah, esqueci de citar, esse garoto se chama Kim TaeHyung.

Eu sou ele.

Meu coração? Funciona perfeitamente bem.

Mas ele nunca deixou de ser de vidro.

Quando eu tinha 15 anos, percebi que meu coração brilhava quando eu gostava de alguém.

A primeira pessoa que causou esse brilho estranho nele, foi uma garota da minha sala chamada Amethyst. Ela era uma estudante de intercâmbio e nós éramos melhores amigos, até que um dia nós nos beijamos na chuva, no ponto de ônibus perto da nossa escola. Quando cheguei em casa e tirei meu moletom – já que nunca deixei de usar roupas de tecido grosso – eu vi um brilho absurdo no meu coração, um brilho tão forte que lembro que meus olhos doíam. Quando eu pensava na Amethyst e no beijo, aquele brilho se intensificava.

Eu fiquei aterrorizado.

Dois dias se passaram com Amethyst me ignorando, eu não entendia o porquê, mas aquilo fez meu coração doer, como se alguém estivesse apertando-o. Não era a dor que as pessoas costumam falar, de sentir um peso no coração, eu sentia literalmente isso. Era literalmente doloroso, ao ponto de me enfraquecer.

Com o tempo, conforme eu ia superando Amethyst – que nunca me disse o porquê de ter parado de falar comigo – aquela dor ia sumindo. Mas o brilho também ia sumindo, pouco a pouco.

Três anos depois, com dezoito anos, esse brilho voltou. Quem trouxe ele de volta foi um rapaz que estudava comigo, também éramos melhores amigos, até que um dia ele segurou minha mão e quando cheguei em casa, aquele brilho estava lá. Tão forte quanto na primeira vez, porém, muito inconsistente. Ele acendia e apagava, o rapaz em questão que se chamava Johnny, era instável também. Ele tinha alguns problemas, às vezes seu humor mudava, ele me tratava bem num dia e no outro me tratava horrivelmente, no outro dia, eu era como um estranho. Eu sentia aquela maldita dor quando não estávamos bem, e olha que nunca sequer cheguei a ter algum contato íntimo, nós só seguramos a mão um do outro as vezes. Ele dizia que gostava de mim, mas se ele gostava, por que me tratava tão mal?

Eu não queria sentir a mesma dor que Amethyst me causou, mas antes que eu pudesse dar um basta em Johnny, ele fez isso. Se mudou para outra cidade e não disse nada, não fez nada, apenas deixou recado através de um colega nosso.

Nunca mais tivemos contato, o brilho apagou e aquela dor voltou. Mais intensa, porque Johnny me magoou, e então eu vi meu coração trincar.

Nunca contei isso para minha mãe, nem para ninguém, mas eu não consegui não ficar desesperado. Quando você é literalmente a única pessoa no mundo inteiro que tem um coração como aquele, você não tem respostas para suas perguntas. Por que meu coração trincou? Por que ele fica assim quando alguém mexe comigo? Será que eu posso literalmente morrer por amor?

Eu lembro de sentir meu corpo todo gelado enquanto encarava um pedaço do meu coração no chão, não muito grande, mas era um pedaço do meu coração. Minhas mãos estavam trêmulas, me abaixei e recolhi com cuidado, mas era um vidro tão afiado que mesmo pegando-o com todo cuidado do mundo, ganhei um corte no dedo.

Depois desse acontecido, fiz o que qualquer pessoa em sã consciência faria: eu nunca mais me deixei sentir nada por ninguém.

Absolutamente ninguém.

Consegui colocar o “pedaço” de volta no lugar, mas ainda dá pra ver a marca. Eu a chamo de cicatriz.

Como alguém apaga uma lâmpada, eu apaguei meu coração, não deixei que ele acendesse de novo, e qualquer um que tentou chegar perto, eu afastei.

Depois de ser magoado tantas vezes, chegou minha vez de magoar, e eu não me orgulho. Jisoo era uma garota doce e inocente que desenvolveu sentimentos por mim, mas eu não queria correr o risco de ver meu coração trincar outra vez, então passei a ignorá-la depois que ela se declarou para mim. Senti aquela dor fodida de novo, mas ela passou rápido, pois eu desviava meus pensamentos de Jisoo sempre que eles apareciam.

Eu estava aprendendo a lidar com aquilo.

Por muitas noites fiquei triste por pensar que talvez meu destino fosse ficar sozinho, mas eu não podia me arriscar, não de novo.

Mas as vezes, parecia que a dor de nunca amar, era maior do que a dor de quando eu amava.

Doía, mas eu me sentia vivo, porque eu sentia. Agora não sinto nada, havia virado, literalmente, uma aberração. Dono de um coração de vidro apagado e frágil demais para suportar um amor não correspondido, ou apenas suportar um amor.

Então, uma vez eu pensei que talvez fosse melhor deixar, apenas para ver até onde isso iria. Mas eu nunca tive essa chance.

Me saí tão bem em apagar meu coração, que ele nunca mais se acendeu.

Isso é.. até aquele rapaz aparecer.

Coração de Vidro.Where stories live. Discover now